Título: Os poderes do Conselho Nacional de Justiça
Autor: Recondo, Felipe
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/02/2012, Nacional, p. A10

A favor

O dilema que se coloca frente ao STF hoje, ao se iniciar o julgamento da constitucionalidade dos poderes de investigação do CNJ, é bastante simples: defender o interesse da sociedade ou proteger os privilégios da magistratura? A lógica do mecanismo estabelecido pela Emenda 45, que criou o CNJ, é a de que o sistema de monopólio da atividade correcional, tradicionalmente conferida aos tribunais ao longo da história brasileira, encontra-se na raiz da crise de legitimidade da Justiça brasileira, à medida que grande parte destes tribunais não conseguem superar os males do corporativismo. Daí a necessidade de se conferir ao CNJ uma competência para também poder apurar e punir administrativamente magistrados, assegurando-se a ampla defesa.

É contra esse poder que agora investem grupos de magistrados, que veem seus velhos privilégios ameaçados. Afirmam que a competência do CNJ seria subsidiária, ou seja, apenas poderia ser exercida em situação de omissão absoluta dos tribunais locais.

A Constituição é clara ao autorizar o CNJ a agir antes, durante ou mesmo depois de uma apuração realizada pelos tribunais. Esta conclusão não deriva de interpretação, pois não se interpreta o que é claro e evidente, por estar expresso em linguagem direta e desprovida de qualquer ambiguidade.

A emenda que conferiu competência correcional própria ao CNJ preservou a competência correcional dos tribunais, uma inovação institucional da maior importância para a democracia brasileira. Muitos tribunais parecem não ter entendido a mensagem da Constituição, permanecendo omissos no cumprimento de suas responsabilidades.

Diferentemente do comandante Schettino, da nau italiana que foi a pique, os dois corregedores do CNJ estavam a bordo, exercendo zelosamente suas funções. Com isto, não contavam alguns maus juízes.

Contra

A posição que a AMB tem sustentado com relação ao CNJ não pode ser reduzida ou confundida com corporativismo. Além do vínculo associativo e institucional, os juízes têm, antes de tudo, um compromisso com o direito, a cidadania, a Constituição e a Justiça. Nem se trata de reduzir ou esvaziar os poderes investigativos do CNJ, porque estes são constitucionais e não há o que discutir.

O que contestamos é uma resolução (de número 135) que ampliou abusivamente esses poderes, acima da própria Constituição. Mudanças constitucionais só podem ser feitas pelo Congresso, após debate com a sociedade.

Os magistrados apoiam o CNJ e o ajudaram a construir a nova realidade do Judiciário, nos últimos sete anos, de acordo com o que foi instituído pela Carta Magna (EC 45). Para a AMB, o Conselho é legal e constitucional e é muito importante para o aperfeiçoamento da Justiça.

Somos contra, repito, a resolução 135 do CNJ. Nesse ponto, divergimos por várias razões. Primeiro, porque não se pode, por meio de resolução, alterar a Constituição. Apenas uma Proposta de Emenda Constitucional, apreciada e debatida, tem poderes para isso. A resolução é inconstitucional porque afeta os direitos de defesa dos juízes e as competências constitucionais das corregedorias estaduais. A sociedade não pode ser surpreendida com medidas unilaterais só porque alguém as considerou avançadas.

Toda essa polêmica ocorreu, talvez, por conta do processo democrático e do Estado de Direito que a todos impõe transparência e prestação de contas de suas ações. Tão importante quanto isso é o fato de criar mais uma oportunidade para que a sociedade participe dos rumos e do futuro da democracia e da Justiça. As decisões no País não podem mais ser tomadas por uma só pessoa, mas devem ser debatidas e conduzidas por instituições democráticas e constituídas. A magistratura, como a sociedade brasileira, aguarda serenamente o veredito do STF.