Título: A reforma que importa
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/01/2012, Notas e informações, p. A3

"Reforma só existe na cabeça da imprensa", teria dito a presidente Dilma Rousseff a seus assessores, no momento em que concluía as articulações para fazer um "ajuste" no Ministério, que já começou com a dispensa do ministro da Educação, Fernando Haddad, para disputar pelo PT a Prefeitura de São Paulo. A imprensa tem ombros largos. Fontes ligadas à chefe do governo e por ela jamais desmentidas passaram todo o tempo, desde a posse, garantindo que a partir do início do segundo ano de mandato Dilma promoveria um importante remanejamento no primeiro escalão do governo, de maneira a, com todo o respeito à inevitável influência de Lula, adequá-lo a seu próprio perfil. Quiseram os desmandos descobertos em pelo menos meia dúzia de Ministérios que Dilma fosse obrigada a dar o bilhete azul para meia dúzia de ministros herdados de seu sucessor. Foi, assim, obrigada a antecipar a "reforma", que é como se pode chamar a demissão sucessiva, em curto espaço de tempo, de 20% da equipe ministerial. Perfeitamente compreensível, portanto, que pouco tenha restado para ser feito agora em termos de substituição de ministros. Essa explicação seria suficiente, sem necessidade de ataques e ironias gratuitas sobre o comportamento da imprensa.

De qualquer modo, a dança das cadeiras no primeiro escalão, até mesmo quando feita no atacado, faz parte da dinâmica de governo e só é importante na medida em que sinaliza alterações relevantes no rumo da administração pública, aí compreendidos os valores éticos que a orientam. Sob este último aspecto em particular, não há nenhuma margem para otimismo. Se em algum momento imaginou substituir por valores mais republicanos o pragmatismo elevado às últimas consequências na costura política do governo, Dilma já entregou os pontos. O Palácio do Planalto vai continuar pagando qualquer preço pela preservação do conforto que significa dispor de uma ampla e incontrastável base de apoio parlamentar. Este é um fundamento do lulopetismo, uma cláusula pétrea de seu projeto de poder. O governo vai continuar em boa parte dividido em feudos a serviço dos interesses e dos apetites de seus donatários.

Do ponto de vista da administração pública - compreendida no sentido da construção de um país econômica e culturalmente mais próspero e, para tanto, social e regionalmente menos desigual -, o que verdadeiramente importa são programas e projetos. E estes, para que sejam eficientemente executados, exigem um aparelho de Estado competente e eficaz. Ideias não faltam ao governo. Todas ambiciosas e impregnadas da evocação mântrica do "nunca antes na história deste país". O que falta, e o cotidiano do governo o demonstra sobejamente, são exatamente competência e eficácia numa máquina partidariamente aparelhada. Não é por outra razão que boa parte do prestígio e da imagem pública que Dilma Rousseff projeta está baseada em seu louvado "perfil técnico" e em sua assinalada "capacidade gerencial", qualidades que estaria empenhada em transformar em marca de seu governo. Por enquanto, porém, também a conduta administrativa do governo não suscita otimismo.

Montar uma equipe de governo tecnicamente competente e com genuíno espírito público não é tarefa fácil, mas está longe de ser impossível. A própria presidente acaba de dar uma demonstração pontual disso ao anunciar a nomeação do professor Marco Antonio Raupp para o comando do Ministério da Ciência e Tecnologia. O substituto de Aloizio Mercadante - que, por sua vez, vai tomar o lugar de Fernando Haddad na Educação - é um cientista de prestígio internacional que desde o ano passado preside a Agência Espacial Brasileira (AEB). Sem filiação partidária, Raupp é graduado em Física pela UFRS, especialista em Matemática pela Universidade de Chicago e livre-docente pela USP. Entre outras atividades, foi conselheiro e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e é membro titular da Academia Internacional de Astronáutica.

Mais louvável ainda se torna a escolha de Raupp quando se sabe que a presidente resistiu à pressão do PT, especialmente da bancada de deputados federais, para que colocasse um de seus membros no lugar de Mercadante. Deveria ser assim com todos os Ministérios.