Título: Recebemos aos poucos, é o carnê da fome
Autor: Macedo, Fausto
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/12/2011, Nacional, p. A7

Desembargador diz que diferenças de salários são pagas em prestações de R$ 1 mil; para ele, Eliana Calmon provoca "rebuliço"

Artífice da ofensiva que empareda o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e acua a corregedora nacional da toga, Eliana Calmon, o desembargador Henrique Nélson Calandra, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), afirma que juiz não tem privilégios.

Diz que ele próprio não foi contemplado com um contracheque graúdo, a exemplo de alguns colegas. "Quem me dera tivesse recebido valores a mais, não estaria devendo cheque especial."

A entidade que Calandra dirige é a mais poderosa e influente ordem dos juízes. Ela reúne doutores de todas as instâncias do Judiciário. A AMB foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) e obteve a liminar que mandou paralisar os trabalhos do CNJ até que a corte máxima decida se é constitucional ou não a abertura de dados de 217 mil juízes, servidores e familiares.

O ministro Cezar Peluso, presidente do STF, recebeu R$ 700 mil de uma só vez a título de atrasados. O sr. também recebeu?

Não tenho notícia de que o ministro tivesse recebido valores a maior que ninguém. Nem com relação ao ministro Ricardo Lewandowski, que foi meu colega no Tribunal de Justiça de São Paulo. Ele sempre recebeu o que era pago para todo mundo, ninguém recebeu vantagens que não tivessem sido pagas aos demais magistrados. Se houve erro por parte do tribunal que seja corrigido.

O sr. recebeu?

Quem me dera tivesse recebido a mais, não estaria devendo cheque especial. Recebemos não de uma vez só, mas uma pequena fração todo mês, a gente chama carnê da fome, são 87 prestações para pagar diferenças de salários. Valor pequeno, mil e poucos reais cada parcela. E agora o plano de equivalência ao qual tivemos direito. Teve aumento para a Câmara dos Deputados, a vantagem foi estendida aos juízes, fracionada a perder de vista.

Acha moral os pagamentos?

São valores legalmente devidos. Um juiz quando se aposenta tem que entrar com ação para receber coisas que a ele são devidas. Muitas vezes perde. Não tirou férias porque não quis, alegam. O pagamento é ético. Surgem defasagens salariais que geram diferenças. Houve governos que não davam verbas. Ficava aquele débito, formando acervo volumoso, correção, juros. Não é nada demais.

Por que repudiam a devassa em suas folhas salariais?

A inspeção nas folhas é obrigação legal, o que não pode é transformar isso em espetáculo. Não tem como criar privilégios. Todo o sistema retributório da magistratura está regrado pela Constituição, pela lei federal e resoluções do CNJ. Qualquer um está sujeito a erros, por isso tem que ter a humildade de não se achar o dono da verdade. Não adianta, por causa de uma unha encravada, cortar o braço. Não vamos ter Eliana Calmon para o resto da vida. Não vamos ter Calandra para o resto da vida. As instituições são as únicas que são imortais. O caminho é aplicar a lei de modo uniforme.

Querem tirar de cena o CNJ?

Pelo contrário, sempre recorremos ao CNJ para corrigir alguma falha. Quem propôs ação para firmar a constitucionalidade da existência do CNJ foi a AMB. Que interesse teremos de desprestigiar o CNJ? O que há é divergência de opinião entre nós e a corregedora nacional pelo modo inflamado com que ela se manifesta. Deram dimensão que não existe para as liminares, que praticamente não mudam nada. A nossa divergência é técnica. A consideração por Eliana Calmon é imensa. Ela é figura muito querida. Como baiana que é, exagera, provoca rebuliço tremendo. É uma brasileira preocupada com o seu trabalho, assim como todos nós.

Do que os srs. têm medo?

Eu não tenho medo de nada. O que causa receio para muitos é o modo como às vezes se desenvolvem os trabalhos do CNJ. A parte correcional cada tribunal deve cuidar. Não há porque competência simultânea, apurar no CNJ e no tribunal. Só deve ir ao CNJ aquilo que o tribunal não apurar, não julgar. Prestamos eletronicamente relatórios mensais ao CNJ. Cada passo que a gente dá o CNJ fica sabendo. Mas não admitimos que coloquem sob suspeita toda a magistratura. Um jardineiro teve sua conta invadida e caiu o ministério (caso Palocci, então ministro da Fazenda, em 2006). O que vale para o jardineiro tem que valer para o juiz.