Título: Brasil passará a tratar em massa vítimas de doenças parasitárias
Autor: Formenti, Lígia
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/01/2012, Vida, p. A14

Saúde. A exemplo de outros países, Ministério da Saúde dará remédio a populações em áreas de risco de esquistossomose e helmintíases sem pedir exames para confirmar infecções; Norte e Nordeste são prioritários; combate ao tracoma será acelerado

O Brasil vai mudar a estratégia de tratamento de três doenças negligenciadas ainda presentes: tracoma, helmintíases e esquistossomose. A partir deste ano, populações de áreas onde as infecções parasitárias têm alta prevalência passarão a ser tratadas em massa - a medicação será oferecida a todos os que estão em risco, independentemente de um exame confirmar a contaminação. O tracoma, transmitido por bactéria, terá combate acelerado.

"Não dá para tratar de um problema desses como se estivéssemos na Finlândia. É preciso praticidade", afirmou o secretário de Vigilância do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa. Ele conta que atualmente são necessárias pelo menos quatro consultas até que uma pessoa com sintoma de helmintíase passe a ser medicada."Ela procura o médico num dia, entrega o material coletado para exame em outro, busca o resultado e somente depois tem a receita para tratar o problema."

Diante de tanto trabalho, afirma o secretário, muitos pacientes - sobretudo aqueles que vivem em regiões mais pobres - acabam desistindo antes mesmo de o diagnóstico ser concluído. "Enquanto isso, uma criança de classe média já na primeira consulta tem receita para fazer o tratamento", diz,

O tratamento em massa há anos é colocado em prática em outros países. No México, diz Barbosa, há pelo menos 15 anos a terapia das helmintíases é feita em grupo.

A resistência em adotar estratégia semelhante no País é atribuída às características das doenças. Todas estão associadas à baixa cobertura de saneamento básico, de abastecimento de água e à pobreza. Por isso, o argumento prevalente era o de que não adiantaria apenas dar medicamento se problemas estruturais não fossem resolvidos - pois, depois de tratadas as doenças, poderiam voltar. "Isso gera imobilismo. Além disso, há uma questão ética: o remédio é barato, eficaz, está disponível. A oferta tem de ser facilitada."

Helmintíases, esquistossomose e tracoma estão localizadas em algumas áreas do País, sobretudo nas Regiões Norte e Nordeste. Embora os números nacionais não sejam expressivos, nos locais em que tais doenças são encontradas a prevalência entre a população é bastante expressiva: algumas parasitoses chegam a atingir 70% do grupo avaliado.

Crianças com esquistossomose e helmintíases têm maior risco de anemia e comprovadamente apresentam menor aproveitamento escolar - fator que acaba ajudando a perpetuar a pobreza.

O tracoma, por sua vez, quando não é tratado pode levar à cegueira. "No Brasil a perda total da visão não acontece mais. Mas, em alguns locais, a prevalência da doença chega a 5%. A meta é erradicar a infecção nos próximos anos", afirmou Barbosa.

Mapeamento. A estratégia da secretaria é chegar à população de risco por meio de programas de saúde na escola ou de agentes de saúde. Um mapeamento de cidades consideradas prioritárias para essas doenças foi feito e recursos extras foram concedidos para incentivar o tratamento.

A ação também busca mudar os parâmetros para avaliação em áreas de risco. "Não podemos aceitar que prevalência de esquistossomose seja considerada alta somente quando ultrapassa 50%, como era no passado. Hoje, 25% já tem de ser considerado um número alto.

A concessão de recursos extraordinários também foi feita para hanseníase, outra doença negligenciada presente no Brasil. No caso de helmintíases e hanseníase, áreas de maior risco estão sobrepostas. Norte e Nordeste, seja em periferia de centros urbanos, seja no interior", afirmou. A esquistossomose, por sua vez, está mais presente em áreas rurais.