Título: As vantagens estão no atacado, não no varejo de massas
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/01/2012, Economia, p. B7

Executivo descarta venda do banco no País e diz que unidade brasileira é uma das principais apostas entre as 86 filiais no mundo

O principal executivo global do HSBC, Stuart Gulliver, disse ao Estado durante o Fórum Econômico Mundial que as principais vantagens competitivas do banco no Brasil estão no atacado, e não no varejo de massas. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O HSBC pretende vender alguma parte do seu negócio no Brasil?

Não há nenhum plano para vender a principal operação bancária no Brasil. O que faremos é reinvestir os recursos da venda de Costa Rica, Honduras e El Salvador, que vão ser vendidos para um banco colombiano, no Brasil. Estou redesenhando o HSBC na América Latina, para focar no México, Brasil e Argentina, que são os três países na região que têm um considerável potencial de crescimento nos próximos 20 anos.

Mas haveria a ideia de vender alguma parte fora da principal operação no Brasil?

Estamos revendo nossos negócios em relação a cinco filtros estratégicos e não há dúvida de que o Brasil permanece como uma prioridade-chave em termos de investimento. Mas podemos de vez em quando analisar nosso portfólio para nos assegurarmos de que está sintonizado com nossos critérios. O Brasil é muito importante, e estive duas vezes no País em 2011, num total de duas semanas, o que não é trivial considerando que operamos em 86 países. Neste ano, a capa do balanço anual será a de um navio chinês no Porto de Santos, ilustrando a conexão comercial Brasil-China e a importância do Brasil para nós. Tradicionalmente, sempre colocamos uma foto de Hong Kong ou de Xangai na capa do nosso balanço anual.

Por que o Brasil é tão importante para o HSBC?

O Brasil é um país com uma grande população, muitos jovens, com uma demografia muito poderosa, se beneficia de 20 anos de política econômica consistente, que se manteve com diferentes presidentes de diferentes partidos. O Brasil tem recursos naturais fantásticos. Há um enorme ingresso de pessoas nas classes A e B, o que é uma grande oportunidade para a gestão de patrimônio. E há forte oportunidade no financiamento à infraestrutura. Todos os ingredientes naturais que você procura como o principal executivo global do banco se encontram no Brasil.

Quais são as linhas de negócio do HSBC que dão mais dinheiro no Brasil?

A lucratividade está mais no atacado, ligada ao mercado bancário global. Está na mesa de operações, no mercado de bônus, na área de assessoria, de ajudar as empresas brasileiras a fazer aquisições no exterior. Então, financiamos a Gerdau nas suas aquisições no exterior, a Braskem. Da mesma forma, estivemos envolvidos em emissão de bônus da Vale, da Petrobrás. O banco de atacado é muito bem-sucedido. Secundariamente, temos um negócio de banco comercial bem-sucedido, isto é, voltado às maiores companhias de tamanho médio. E também temos uma rede bancária bastante grande no Brasil, por qualquer medida. A gestão de patrimônio no banco de varejo também é lucrativa. Então, todos os três negócios são lucrativos, mas a contribuição mais significativa vem do segmento voltado ao mercado bancário global.

Por quê?

É algo lógico, eu tenho uma rede internacional. Posso ajudar as empresas brasileiras a acessar mercados de bônus em dólares, tanto quanto mercados de bônus locais. É muito difícil competir com o Banco do Brasil ou o Bradesco. Eles têm dezenas de milhares de agências espalhadas pelo País, eles estão em todas as esquinas, eu não posso competir contra isso. No que eu posso competir é em ajudar a Petrobrás a captar euros, ajudar a Vale a comprar ativos no exterior, ajudar empresas brasileiras com moedas locais. Então, as vantagens estão na arena do banco de atacado, não no varejo de massas.

O sr. não tem preocupação com o Brasil, inflação, valorização cambial, sobreaquecimento?

É importante separar pressões cíclicas de tendências seculares de longo prazo. Em qualquer mercado emergente, há ciclos econômicos, e sem dúvida o Brasil tem uma desaceleração no crescimento, há um pouco de inflação, a moeda está incrivelmente valorizada. Mas nós somos diversificados em termos de geografia e por tipo de negócio, o que permite absorver a volatilidade do Brasil e de outros países.

Por que o sr. acha que a moeda brasileira está tão valorizada?

A gente sabe que isso é dinheiro especulativo porque, toda vez que há um choque no mercado, essas posições são vendidas. Não é a economia real. Então, acho que haverá alguma correção na moeda. O real deve em algum momento se desvalorizar um pouco de novo. O dólar não vai passar de R$ 2, mas acho que o real pode se desvalorizar 5%, 10%, ao longo do ano, porque eu acho que o dólar americano vai ter uma alta.

Por que o dólar subiria?

O dólar americano está muito perto de seus níveis mais desvalorizados em todos os tempos. A economia americana vai ter um desempenho muito forte até a eleição presidencial. Então, acho de fato as pessoas vão começar a comprar dólares americanos em geral, e isso tenderá a desvalorizar o real.

E a Europa, como o sr. vê?

O que sabemos é que a questão real é a Itália, não é a Grécia. A Grécia é muito pequena. A questão real é proteger a Itália. É uma situação frágil e complexa, em relação à qual eu acho que a maior possibilidade é que vá se empurrando, mas com uma baixa probabilidade de um acidente. Os empréstimos de longo prazo do Banco Central Europeu (BCE) de 500 bilhões removeram todo o risco de funding dos bancos europeus nos próximos três anos.

E a China?

Estamos muito confiantes em que terá um pouso suave, crescendo de 8% a 9%.

O sr. não se espanta que as taxas de juros no Brasil sejam tão altas?

É interessante. Fiz exatamente essa pergunta na última vez que fui ao Brasil aos meus colegas na mesa de operações, sobre por que os juros não poderiam ser mais baixos, dado que inflação está onde está. Mas a visão parece ser a de que, como ainda existem tantos gargalos na economia, a chance de picos de inflação é muito alta.

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