Título: Com Dilma, governo ficou mais técnico, diz Roberto Setubal
Autor: Dantas, Fernando ; Milanese, Daniela
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2012, Economia, p. B10

Banqueiro mostra otimismo com Brasil e fala de possibilidade de compra nos EUA

Roberto Setubal, principal executivo do Itaú, maior banco privado brasileiro, gosta de tudo o que tem visto do governo da Dilma Rousseff, e considera que a maior vantagem da gestão da presidente é a de "tornar o governo mais técnico e despolitizar as áreas que exigem discussão mais técnica".

Participando pela primeira vez do Fórum Econômico Mundial, em Davos, Setubal ficou surpreso com o assédio do qual está sendo alvo por parte de investidores e empresários interessados no Brasil - em busca de informações sobre o País e sobre como o Itaú pode ajudar a viabilizar aqueles interesses. Os participantes do Fórum Mundial têm em Setubal um interlocutor que vai lhes transmitir uma visão fundamentalmente positiva do País e do governo da presidente Dilma Rousseff.

Otimista, ele acha que os juros cairão para um dígito, e considera que o Banco Central teve razão em começar a cortar a Selic, a taxa básica, em agosto, decisão extremamente criticada pelo mercado financeiro. Para Setubal, o atual governo está privilegiando a política de aperto fiscal para combater a inflação, rompendo com a tradição brasileira de usar mais a política monetária.

Segundo Setubal, as ambições de internacionalização do Itaú passam longe da Europa. Além do foco no mercado brasileiro, em franca expansão, o maior banco privado brasileiro está interessado em crescer na América Latina e realizar aquisição nos Estados Unidos.

Setubal observou que ele, Luiz Carlos Trabuco Cappi, principal executivo do Bradesco, e André Esteves, à frente do grupo BTG Pactual, estão pela primeira vez participando do Fórum de Davos. Enquanto o governo restringiu sua participação, com a ausência dos ministros da Fazenda, Guido Mantega, do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, e do presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, o setor financeiro privado veio com toda a força a Davos, com a presença de três de suas maiores estrelas. A seguir, os principais trechos da entrevista.

A recapitalização dos bancos europeus, em meio à crise, pode gerar oportunidades para o Itaú?

Não estamos olhando a Europa para compra. O desenvolvimento do banco não é para a Europa, é muito mais para América Latina e talvez Estados Unidos, mas não Europa, nem Ásia ou Oriente Médio.

Há possibilidades de negócios nos Estados Unidos?

Os Estados Unidos estão em situação melhor do que a Europa, a economia se estabilizou, está voltando a crescer. Eles têm uma moeda de reserva importante, é sempre interessante. É uma possibilidade. Não estamos imaginando que isso vá mudar o perfil do banco, nada muito significativo. Nós compramos a unidade no Chile do HSBC, que é pequena. Focamos mais na América Latina e pretendemos adquirir outras unidades. Mas não queremos estar em todos os países da América Latina. Imaginamos estar nos países do Mercosul, possivelmente México e Colômbia, que são países mais importantes, e no Peru, eventualmente.

A fragilidade do setor financeiro europeu pode afetar o Brasil?

Acho que o Brasil será pouco afetado diretamente. Pode ser mais afetado indiretamente pela redução do crescimento do mundo. A Europa é uma parte importante do PIB global e a redução do crescimento acaba afetando vários países, os EUA, a China. De certa forma o Brasil, nesse contexto, acaba tendo uma redução do seu PIB. A conexão financeira do Brasil com a Europa é relativamente pequena. Em termo de linhas que os bancos europeus oferecem ao Brasil, especialmente de comércio exterior, onde têm participação relevante, sentimos uma redução no ano passado, mas já voltou. A mudança da política de liquidez do Banco Central Europeu teve um efeito claro nas linhas de comércio.

Olhando para o mundo aqui de Davos, qual é o maior risco que o sr. vê?

A maior preocupação de todos hoje é a Europa. Até porque, na melhor hipótese, vamos ter um crescimento muito baixo da Europa por muitos anos. Isso afetará o crescimento da economia mundial e, de certa forma, do Brasil. Mas nada dramático. O Brasil é uma economia muito mais movida pelo seu mercado interno. Como nossa economia está em boa situação, as contas públicas estão equilibradas, não há percepção de deterioração, então o Brasil continuará crescendo em torno de 4%. Pode ser que tenha de fazer algum ajuste momentâneo em razão de algum evento externo, mas a tendência é continuar crescendo 4% por muitos anos.

E como deve ficar o crédito?

O crédito no Brasil deve continuar subindo acima do PIB. Se somarmos a inflação mais o PIB, estamos falando em algo entre 8% e 10% e o crédito deve continuar crescendo um pouco acima disso. Nós já crescemos 20% ao ano por muitos anos. Daqui para a frente, vai ser um pouco menos. Acho plausível um aumento da ordem de 15% ao ano para as condições brasileiras neste momento. Uma área que vai puxar o avanço ainda é a imobiliária, que tem um potencial muito grande.

Como está esse setor no Itaú?

Crescemos bastante. Somos o banco privado líder nesse mercado, é a área que mais cresce no banco: 60% no ano passado e cerca de 40% neste ano. Ainda representa uma parte pequena do nosso balanço, em torno de 5% dos empréstimos. Isso pode mais do que dobrar em dois ou três anos.

O País tem condição hoje de ter uma taxa de juros de um dígito?

Acho que tem. O Brasil fez enormes progressos nesses últimos 20 anos. Nos anos 90, a taxa real de juros chegou a mais de 20%, o que é um negócio inacreditável. De lá para cá, com todos os ajustes que foram feitos, a estabilização da economia, ajustes fiscais, a taxa de juro real foi se reduzindo. Estamos em torno de uma taxa de juro real de 4% a 5%. Se a gente olhar os últimos dez anos, ela se reduziu um pouco menos de 1% ao ano. Mas acho que continuará se reduzindo, nesse ritmo, e, portanto, a tendência é que o Brasil fique com uma taxa de juros de um dígito. Eventualmente, pode no curto prazo subir um pouquinho acima disso. Mas a tendência é que venha a estar abaixo de 10%. Mas também é importante que a inflação esteja controlada e, digamos, em níveis baixos.

O sr. se preocupa com a inflação?

Quando você vai a uma inflação, por exemplo, de 6,5%, como no ano passado, passando por picos de 7,5%, é difícil ter uma taxa de juros de um dígito. Mas, se mantiver a inflação abaixo de 5%, acho perfeitamente factível manter a taxa de juros em um dígito.

Como o sr. avalia a recente política do Banco Central? Aliás, os economistas do Itaú tiveram uma visão menos negativa do que a média do mercado.

Iniciamos o ano passado com uma pressão inflacionária muito alta. O Banco Central fez o que tinha de fazer, que é subir os juros. Foram subindo até perceberem que a economia estava desacelerando rapidamente. Acho que os dados que possuem são mais completos do que qualquer banco de dados de qualquer instituição, de qualquer departamento econômico, em razão de uma excelente capacidade de análise que o Banco Central tem. Ele percebeu antes que todo mundo. Por isso, mudou a política. O Itaú já avalia há muito tempo que a taxa de juros iria para a casa de 9%, 9,5%. O importante é não deixar a inflação subir. E o Banco Central está atento a isso, sou confiante em que farão o necessário.

Mas o Itaú projeta uma inflação este ano acima da meta.

É, projeta em torno de 5%, ou um pouco mais. Mas é importante também que se olhe o que está sendo feito na área fiscal. Acho que em 2011 o Brasil teve uma política fiscal conservadora, que ajudou muito a reduzir os juros. Em se mantendo essa política fiscal, como tudo indica que vai acontecer, é sem dúvida um fator importante para a redução da taxa de juros no Brasil. No passado, nossa história de controle de inflação foi muito mais em cima da política monetária do que política fiscal. Este governo mostra intenção de ter colaboração maior da política fiscal para a redução dos juros, o que é importante para chegarmos a um dígito.

Por falar nisso, o que o sr. acha do governo Dilma?

Gosto de tudo o que tenho visto. Na política econômica, como mencionei, essa colaboração maior da política fiscal. Acho que é muito bem-vinda. O difícil nisso é que a política monetária faz um efeito mais rápido do que a política fiscal. A política fiscal exige persistência maior, paciência maior. E precisa de dois, três anos, para ir trazendo resultados mais consistentes. Então é importante perseverar nesse caminho.

E a sua opinião sobre a "faxina" do governo Dilma?

Não vou entrar nesse âmbito porque não saberia avaliar exatamente. Mas o que vejo na presidente é uma intenção de tornar o governo mais técnico, com presença cada vez maior de técnicos em áreas importantes. Ela está tentando despolitizar áreas que exigem naturalmente uma discussão mais técnica. Por exemplo, a área de meio ambiente, que já foi muito politizada no Brasil. Hoje, a ministra (Izabella Teixeira) tem uma característica técnica, fez carreira dentro do Ministério. Isso é bom, as coisas não têm de ser politizadas, têm de ter soluções técnicas. Esse caminho é importante para o Brasil, e a tendência de tornar o governo mais técnico deve ter o apoio de todos.

Quais são os grandes problemas a serem atacados no Brasil?

Hoje, posso dizer com segurança que o Brasil consolidou a estabilização da economia. Está institucionalizada no Brasil a intenção de manter isso, não é mais uma preocupação. Olhando à frente, duas áreas que vejo como fundamentais são a infraestrutura, no curto prazo, e a educação, no longo. Na infraestrutura, o Brasil está evoluindo, e telecomunicações e energia estão bem. Mas é preciso investir mais em infraestrutura e criar condições para isso.

Como?

O Brasil está defasado em alguns setores, como portos e aeroportos e estradas. Acho que existem duas formas de criar condições para o investimento. Na parte regulatória, o governo vem mexendo no marco, como no caso dos aeroportos. Mas, na área macroeconômica, a outra parte da equação, é preciso criar condições de termos juros de longo prazo mais baixos no Brasil. A redução dos juros para um dígito ajuda muito porque, quando os juros são muito elevados no curto prazo, o juro de longo prazo tem de ser ainda mais elevado, pelos riscos envolvidos, o que torna inviável o financiamento de longo prazo.

A situação dos bancos europeus é de fato muito ruim?

Está muito ligada à situação dos países. Se você admitir que os países pagarão suas dívidas, os bancos europeus não têm grandes problemas. A situação seria facilmente administrável. Em poucos anos eles se ajustariam. O problema é que, à medida que os países nos quais eles estão inseridos têm grandes problemas nas suas dívidas e há até dúvidas em relação à capacidade de pagarem, isso acaba contaminando os bancos. Enquanto não se resolver bem a situação dos países, enquanto não houver uma visão clara sobre a capacidade desses países de pagarem suas dívidas, os bancos serão afetados. Eles estarão sempre sob suspeita enquanto os países estiverem sob suspeita.