Título: Ações brasileiras estão entre as mais baratas
Autor: Alves, Fábio
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/01/2012, Economia, p. B12

Investidor acredita que, se houver uma 'solução aceitável' para a Europa, Bovespa pode recuperar perdas acumuladas

O que acontecerá na Bovespa em 2012 dependerá do desfecho da crise da zona do euro, segundo Will Landers, o principal gestor para América Latina da BlackRock, maior administradora de recursos do mundo e que investe cerca de US$ 7,8 bilhões nas bolsas latino-americanas, sendo 70% desses recursos aplicados apenas em ações de empresas brasileiras.

Por enquanto, o cenário da BlackRock para a crise europeia é de que será encontrada uma solução aceitável, permitindo o retorno dos investidores globais para ações. Nesse cenário, Landers acredita que a Bovespa deve recuperar o que perdeu nos últimos 18 meses. Em 2011, a bolsa brasileira acumulou uma queda de 18,11%. A seguir, os principais trechos da entrevista exclusiva à Agência Estado.

Qual o principal fator que influenciará os preços das ações brasileiras em 2012?

O que pesou na Bovespa em 2011 será também o maior risco em 2012: a Europa. Se não chegarmos a algum tipo de solução aceitável para a crise da zona do euro e para eliminar o risco de implosão do mercado financeiro europeu, o que afetaria o mundo todo de uma maneira muito mais pesada do que na crise do Lehman Brothers, nenhuma bolsa de valores irá ter um desempenho bom, dando um grande retorno aos investidores. A cada reunião de cúpula em que não há uma solução definitiva, o risco de ruptura do euro aumenta.

Qual é a probabilidade do pior cenário acontecer, com o abandono do euro por um ou mais países?

O potencial de haver uma ruptura maior no mercado financeiro mundial causada pela crise da zona do euro seria ao redor de 15% a 20%, o que é um risco pequeno, mas não é um risco desprezível. O dilema do investidor é como se proteger desse risco de, digamos, 20%. O fato é que não existe nenhuma mágica hoje. Em períodos de crise aguda, os mercados se correlacionam muito mais e os mercados emergentes, incluindo América Latina e Brasil, vão estar entre os mercados com o desempenho mais fraco. Se o investidor tem como cenário base o de ruptura da zona do euro, ele não vai estar comprando ações hoje, porque, sem dúvida, vai estar perdendo dinheiro no absoluto. Isso porque seria um evento com impacto mais forte nos mercados financeiros do que a bancarrota da Lehman Brothers em 2008.

A queda adicional da taxa de juros no Brasil, por exemplo, não compensaria a influência negativa de fatores externos sobre a Bovespa?

Se tiver uma ruptura causada pela Europa, não haverá no mercado acionário mundial uma ação de empresa defensiva o suficiente para proporcionar um retorno positivo em 2012. Você vai ter uma repetição do que houve no segundo semestre de 2008, talvez pior. Contudo, a expectativa da BlackRock como firma é de que se consiga chegar a uma solução aceitável; não vai ser uma solução perfeita, com uma integração fiscal completa da Europa, mas alguma coisa a ver com a parte fiscal dos países que abusaram, como a Espanha, Itália, Irlanda, Portugal e Grécia, e com isso o Banco Central Europeu, tendo o aval da Alemanha e França, será mais ativo em recomprar a dívida soberana e tirar esses papéis que estão pesando sobre o capital dos bancos.

E nesse cenário?

Nesse cenário, haverá uma recessão amena na Europa; os EUA crescerão cerca de 2%, abaixo da sua taxa histórica de expansão; a China terá um "soft landing" ao estilo chinês, que é um crescimento de 7%, 8%; e, com isso, o Brasil poderá crescer por volta de 3,5% em 2012, supondo uma taxa Selic perto de 9% a 9,5% e uma inflação próximo de 5%. Nesse cenário, a Bovespa poder recuperar as suas perdas acumuladas nos últimos 18 meses.

Dá apenas para recuperar o terreno perdido?

Quando pensamos que nesse período a bolsa caiu, o resultado das empresas subiu, o que quer dizer que os múltiplos (indicadores que mostram a relação entre preço da ação e os resultados que as empresas estão gerando) das companhias caíram mais ainda do que a queda da bolsa. É possível até a bolsa subir a novos níveis mais altos do que se registrou no último ano e meio. As companhias, em geral, continuam crescendo. A maioria está com um balanço melhor do que há 18 meses. As companhias também mostraram um amadurecimento desde 2008, quando algumas abusaram do câmbio barato para baixar o custo dos empréstimos. Não estamos vendo isso agora, nem acreditamos que haja uma bomba-relógio no mercado. Com tudo isso, por que o Brasil tem de continuar sendo negociado com um múltiplo de PL (preço-lucro) de um dígito? É barato. O fato é que o Brasil hoje tem um risco mais baixo do que já teve na sua história, e isso está refletido no mercado de renda fixa, onde os spreads da dívida soberana brasileira estão num nível que seria considerado do de países desenvolvidos há quatro, cinco anos, e mesmo assim o mercado acionário brasileiro continua entre os mais baratos do mundo. Acho que você terá um crescimento acumulado dos resultados das empresas, que ainda não foi refletido nos preços das ações.

E ações de que setores da economia deverão se valorizar mais nesse cenário de recuperação?

Um dos grandes diferenciais do Brasil hoje é que sua fonte de crescimento está ligada à economia doméstica. Num cenário de juros em queda, de medidas para estimular o consumo de produtos, de crescimento mais forte do crédito, de emprego pleno e de renda em expansão, as oportunidades de investimentos que estamos buscando voltam-se para a economia doméstica. O Brasil representa 71% dos nossos fundos e companhias ligadas à economia doméstica também representam mais ou menos 70% das carteiras. Quando pensamos em economia doméstica, o setor bancário é o primeiro. A correlação entre o desempenho das ações dos bancos brasileiros com os bancos europeus e americanos está em nível mais alto historicamente. Então, nesse período em que o investidor quis reduzir risco, as aplicações no Brasil foram uma fonte de diminuição de risco da carteira, o que na nossa cabeça não faz sentido, cria uma oportunidade de investimento, e o setor bancário é essa oportunidade.

Quais os outros países que vão competir de forma mais acirrada com o Brasil na atração de investidores?

Olhamos os Brics. Nesse grupo, o único país cujas ações estão mais baratas do que o Brasil hoje é a Rússia, considerando o resultado esperado das empresas para 2012. No entanto, ao se comparar a qualidade das companhias, dos administradores das empresas e da governança corporativa, a Rússia merece ser negociada a indicador preço-lucro mais baixo do que o brasileiro. Já comparada com as bolsas da Índia e China, a brasileira está mais barata. Se levarmos em conta o que aconteceu em 2008 e 2009, quando houve a forte queda das bolsas no segundo semestre de 2008 em razão da crise causada pelos empréstimos hipotecários para em seguida ocorrer uma recuperação em 2009, o Brasil foi um dos grandes beneficiados do retorno dos investidores. Hoje, o Brasil está numa posição melhor, em termos macroeconômico, do que em 2008 e 2009, e tem tudo para atrair esse dinheiro de volta. Quando a poeira da crise europeia assentar, mercados emergentes como um todo, e Brasil em particular, vão ser o foco. Além do retorno desses investidores, estamos vendo a entrada de dinheiro novo nas nossas carteiras que não havíamos visto no passado, como o de fundos soberanos e de bancos centrais de outros países emergentes, que estão procurando taxas de retorno mais altas e então estão olhando para a América Latina.

O Brasil acertou em se antecipar a muitos outros países ao cortar juros para estimular o crescimento?

O que aprendemos em 2008 foi que o Banco Central demorou para ver a inflação realmente cair para começar a cortar juros num ambiente em que estava claro que a economia mundial estava se desacelerando. Agora, vimos que o terceiro trimestre registrou um PIB zero, refletindo a alta de juros e as medidas macroprudenciais no final de 2010 e início de 2011. O governo está sendo muito coerente porque na hora de desfrouxar a equação não somente está cortando juros como também está revendo as medidas macroprudenciais. Ficar esperando para ver o que aconteceria para começar a cortar, seria tarde demais. A minha esperança é que durante o segundo ano do governo Dilma Rousseff a gente comece a ver algumas reformas que possam diminuir a burocracia brasileira e o custo de fazer negócios no País.

Nascido no Brasil, formou-se em finanças e administração internacional na Universidade de Georgetown. Começou sua carreira no Bear Stearns, Antes da BlackRock, trabalhou no Lehman Brothers e na Merrill Lynch.