Título: Crise chinesa no horizonte?
Autor: Samuelson, Robert J.
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/01/2012, Economia, p. B9

Sinais de que o crescimento da segunda maior economia mundial será inferior à média dos últimos anos já preocupam o mundo

A China também? Será possível que o gigante da economia mundial, que cresceu em média 10% ao ano durante 30 anos, esteja prestes a enfrentar uma desaceleração ou o que para a China seria uma recessão? Será que ela tem uma bolha imobiliária prestes a estourar? Quais seriam as consequências globais disso? Esta semana, o secretário do Tesouro Timothy Geithner visita China e Japão, e essas perguntas constituem o pano de fundo da sua visita. E, com a crise da Europa e a apática economia americana, uma séria desaceleração da economia chinesa seria uma péssima notícia.

A China tem um comportamento ambivalente. Sua política - principalmente a manutenção de uma moeda desvalorizada - é propositalmente distorcida para que ela se beneficie nos mercados mundiais. O custo disso é o corte de empregos nos Estados Unidos, na Europa e nos países desenvolvidos. No entanto, o seu vigor econômico é tão grande que uma desaceleração abrupta teria graves repercussões além de suas fronteiras. O comércio internacional seria profundamente afetado. O protecionismo chinês poderia se intensificar para compensar a perda de empregos. Se os excedentes de aço e de outras commodities invadissem os mercados mundiais a preços baixos, os preços e a produção em outras partes do mundo cairiam.

Já existem sinais de advertência. O economista Nicholas Lardy, do Peterson Institute, cita três deles. Em primeiro lugar, a crise da Europa enfraqueceu o intercâmbio com a China - a Europa compra cerca de 20% de suas exportações. Em segundo lugar, o setor da habitação está mostrando sinais de uma bolha e começa a encolher. Finalmente, o governo da China terá ainda mais dificuldade para adotar medidas de estímulo do que durante a crise financeira de 2008-09. A dívida do governo subiu de 26% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2007, para 43% em 2010.

Não se sabe de que maneira todos esses elementos afetariam o seu crescimento. "Muito provavelmente, a China teria um pouso suave", diz Justin Yifu Lin, principal economista do Banco Mundial. "O crescimento é de 8% ou 8,5%". O que não chega aos 9% de 2011. A dívida do governo ainda é suficientemente baixa para permitir um amplo estímulo, acredita Lin. Muitas previsões concordam com ele.

Mas o ceticismo aumenta. Segundo a corretora japonesa Nomura, há uma possibilidade em três de um "pouso difícil" - queda do crescimento para 5% ou mesmo menos. Para os americanos, que neste momento têm crescimento de cerca de 2%, isso poderá parecer fabuloso. Mas, para a economia da China e sua enorme força de trabalho, um crescimento de 5% elevaria o desemprego e o descontentamento social. A guinada do PIB quase se equipararia ao declínio dos EUA na recessão de 2007-09.

A habitação poderá determinar quem está com a razão. A China investiu excessivamente neste setor, afirma Lardy em um novo livro (Sustaining China's Economic Growth After the Global Financial Crisis). O motivo principal, afirma, é que a política financeira impede que os poupadores realizem retornos adequados sobre o seu dinheiro.

Acredita-se que há muita especulação no mercado acionário. A regulamentação mantém baixos os juros sobre os depósitos compulsórios dos bancos - o principal destino das poupanças. De 2004 a 2010, ficaram abaixo da inflação. Os poupadores frustrados passaram a investir em imóveis residenciais, cujos preços não são regulados.

O resultado parece uma clássica bolha especulativa. As pessoas compram porque acreditam que os preços subirão; e os preços sobem porque as pessoas compram. Uma pesquisa de 2010 mostrou que 18% das famílias de Pequim eram proprietárias de dois ou mais imóveis; outra pesquisa de 2010 que cobria todas as cidades concluiu que 40% das aquisições eram para investimento. Muitas unidades, informa Lardy, estão vazias porque os aluguéis em Pequim, Xangai e em outras grandes cidades são baixos.

Infelizmente, cada expansão gera uma crise. Os compradores reconhecem que o aumento dos preços reflete uma demanda artificial. As compras diminuem. Os preços caem. As novas construções declinam. O processo se realimenta. Com modestos desequilíbrios, o resultado é uma correção. De outro modo, haveria um colapso.

O que aguarda a China? O estouro de uma bolha imobiliária poderia acarretar desaceleração. A construção de casas supera os 10% do PIB. É uma alta histórica, diz Lardy. Num estágio semelhante do seu desenvolvimento econômico, os investimentos em imóveis em Taiwan correspondiam a 4,3% do PIB. No recente boom imobiliário nos EUA, a habitação apresentou um pico de 6% do PIB. Na China, a habitação estimula grande parte dos gastos com consumo (mobiliário, eletrodomésticos) e absorve 40% da produção de aço, observa Lardy. As vendas de terrenos também são uma grande fonte de receitas para os governos locais. Todos seriam afetados por uma crise da habitação.

Alguns fatores abrandam o problema. Fora de Pequim e de Xangai, não está claro se os preços das casas "se coadunam com o aumento da renda familiar", diz o economista Eswar Prasad da Cornell University. Os compradores chineses também fazem consideráveis pagamentos em dinheiro por seus imóveis. Em comparação com os EUA, uma crise da habitação teria menos probabilidade de se tornar uma crise do setor bancário quando as hipotecas deixassem de ser pagas.

O que quer que possa acontecer, o modelo econômico chinês está chegando ao limite, diz Lardy. O país depende das exportações, promovidas mediante o câmbio controlado, e dos investimentos, inclusive na habitação, subsidiados pelo crédito barato.

Ao mesmo tempo, os poupadores chineses foram punidos com baixos retornos sobre os depósitos. Isso reduz sua renda e os gastos com o consumo. O problema é que a crise global ameaça as exportações e os excessos no setor da habitação ameaçam os investimentos. Se a China não aumentar os gastos com o consumo, sua economia sofrerá uma desaceleração - ou conseguirá crescer empregando uma estratégia ainda mais predadora em relação aos outros países.