Título: Protesto após mortes em estádio deixa 400 feridos e leva caos de volta ao Egito
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/02/2012, Internacional, p. A10

Massacre no campo. Multidão volta a tomar as principais cidades egípcias em meio a crescentes indícios de que distúrbio que matou 74 pessoas em jogo de futebol foi instigado por forças de segurança; torcedores e ativistas exigem saída dos generais

A tragédia que matou 74 torcedores num estádio de futebol no Egito na quarta-feira jogou ontem o país numa nova onda de caos e protestos. A violência voltou a tomar conta do centro do Cairo, com uma multidão tomando a Praça Tahrir - berço da revolta que depôs, há quase um ano, o ditador Hosni Mubarak -, e os choques entre manifestantes e policiais deixaram pelo menos 400 feridos.

Grupos de oposição acusam o governo pelo massacre no Estádio Port Said e pedem a renúncia imediata da junta militar, enquanto partidos se uniam para pedir a antecipação das eleições presidenciais, marcadas inicialmente para junho. "Não foi um acidente desportivo, foi um massacre militar", gritava a multidão, pedindo a renúncia do líder da junta militar, o marechal Mohammed Tantawi.

Na quarta-feira, a partida entre o local Al-Masry e o Al-Ahly, do Cairo, acabou em massacre em Porto Said. Para os movimentos que lideravam as revoltas na Praça Tahrir, dirigentes e líderes religiosos, o ataque foi "deliberado" e seria uma vingança contra os torcedores que haviam se unido aos manifestantes para pedir a queda de Mubarak. A concentração na Praça Tahrir foi reprimida pelas forças de ordem com tiros e gás lacrimogêneo.

Segundo as autoridades, 45 ambulâncias participaram do translado de feridos para os hospitais da região. Hospitais de campanha também foram montados na praça para atender os feridos, em sua maioria com asfixia por causa do gás lacrimogêneo, ou lesões provocadas pelas balas de borracha.

Parentes e amigos de cinco dos mortos no estádio atacaram prédios públicos após o enterro dos torcedores, no Cairo. O temor de ativistas é o de que, hoje, dia de descanso muçulmano, os protestos se intensifiquem.

A "guerra do futebol", como vem sendo chamada, seria a explosão de um descontentamento generalizado. O preço dos alimentos não para de subir, o governo está sem dinheiro em caixa e pede um resgate de US$ 1 bilhão ao Banco Mundial e muitos alegam que não há garantias de que a transição política será cumprida.

Ontem, a frustração não se limitava às ruas. Ainda que alguns poucos analistas apontassem para a possibilidade de o incidente não ter tido motivação política, era quase unanimidade que o massacre contaminou e incendiou o debate político. Grupos de diferentes tendências repetiam acusações de que se tratava de uma emboscada e uma revanche contra os torcedores do Al-Ahly, que participaram ativamente dos protestos para pedir a queda de Mubarak.

Para o Movimento Jovem 6 de Abril, um dos que lideraram a Primavera Árabe, as mortes decorreram de execuções "deliberadas". "O que ocorreu ontem (quarta-feira) não tem outra explicação senão a de que é parte de um plano do Conselho Militar e do Ministério do Interior para jogar o país no caos e nos forçar a aceitar o regime militar", declarou Engy Hamdy, representante do movimento.

O primeiro-ministro Kamal El-Ganzouri, um político da era Mubarak, assumiu a responsabilidade pelas mortes, dissolveu a Federação de Futebol e anunciou a prisão do chefe de segurança de Porto Said (mais informações na página A9). Na cidade portuária, o governador local renunciou. O marechal Tantawi garantiu que punirá os culpados e anunciou a prisão de 50 suspeitos.

Os principais partidos articularam a ideia de pedir um voto de desconfiança do governo no Parlamento - cuja aprovação obrigaria o governo à dissolução. O plano era a formação de um novo governo transitório.

Numa das sessões mais tensas do novo Parlamento, 143 deputados assinaram um moção acusando o ministro do Interior, Mohamed Ibrahim, pelas mortes e exigiram que ele deixasse o cargo. Ainda pediram que o ministério, que foi símbolo da repressão, fosse comandado por um civil. Os parlamentares ainda exigiram a abertura de processos contra ministros, dirigentes do Al-Masry e o governador de Port Said.

O presidente do Parlamento, Saad el-Katatni, da Irmandade Muçulmana, sustentou a tese de que o governo foi "cúmplice" no massacre, ao não ordenar que a polícia freasse a violência. Apesar das duras acusações, o Parlamento decidiu apenas abrir sua própria investigação para determinar os culpados e os resultados devem sair já na próxima semana. / AP, AFP, REUTERS e EFE. COLABOROU JAMIL CHADE

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