Título: Porto Itapoá: moderno, mas sem estrada
Autor: Pereira, Renée
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/01/2012, Economia, p. B6

Inaugurado em 2010 no litoral norte de Santa Catarina, terminal sofre com a falta de construção de 23 km de rodovia

Itapoá é o porto mais novo do Brasil. Foi inaugurado em dezembro de 2010, na exuberante Baía da Babitonga, no litoral norte de Santa Catarina, ao lado de uma vila de pescadores. Está incluído no seleto grupo dos mais modernos da América Latina, com equipamentos de última geração e calado (profundidade) ideal para receber os maiores navios do mundo. Só tem um defeito: a rodovia SC-415, que dá acesso ao terminal, ainda não foi concluída. Os cinco anos de construção do porto não foram suficientes para o governo do Estado construir 23 quilômetros de estrada.

Para contornar o problema e receber os primeiros navios, o grupo que administra o porto (formado por Aliança, da Hamburg Süd, Battistella e Log Z, de fundos de pensão) teve de improvisar um caminho alternativo. A única opção foi atravessar a pacata cidade de Itapoá, de apenas 15 mil habitantes. A medida, no entanto, exigiu intensa negociação com o poder público para autorizar a passagem dos caminhões de contêineres por dentro da cidade.

Uma lei municipal foi criada com a contrapartida de a empresa investir (R$ 15 milhões) na pavimentação, manutenção e adequação das ruas que seriam usadas pelos caminhões, num trajeto de 8 quilômetros. Outra restrição foi imposta pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), que limitou a passagem pela cidade em 36 caminhões por dia, afirma o diretor superintendente do porto, Patrício Júnior.

Sob essas regras, o porto recebeu o primeiro navio - o Cap San Lorenzo, da Aliança Navegação e Logística - na noite de 16 de junho de 2011. Desde então, mais de 100 embarcações já atracaram no terminal, algumas delas da categoria Post-Panamax, com capacidade para mais de 7 mil teus (unidade de contêiner de 20 pés) e 300 metros de comprimento.

Apesar disso, o terminal ainda opera com 30% de sua capacidade, especialmente por causa das limitações de acesso. Sem a estrada prometida e tendo de percorrer uma distância maior e cheia de restrições, os clientes criaram resistência para usar Itapoá. Para se ter ideia, o trajeto pela cidade tem cerca de 30 lombadas para reduzir a velocidade dos caminhões.

Aniversário. Mas, se tudo der certo, em breve os caminhoneiros terão uma rodovia novinha para trafegar. A expectativa é que os 23 quilômetros da SC-415 sejam entregues no dia 20 deste mês, mais de um ano depois da inauguração do porto, aberto numa solenidade para mais de 500 ilustres convidados.

A entrega da rodovia estava marcada para 17 de dezembro, mas a construtora responsável pela obra não conseguiu concluir o trabalho a tempo, contrariando a promessa do secretário de infraestrutura de Santa Catarina, Valdir Cobalchini. Como em toda obra de infraestrutura, uma das justificativas para o atraso é o severo regime de chuvas na região e a dificuldade para remover linhas de transmissão que estavam no caminho da estrada.

"De qualquer forma, só posso responder pelo tempo que estou no governo. Não sei o que houve nas administrações anteriores", observa o secretário, que diz acompanhar de perto as obras. "Quando cheguei na secretaria não tinha nenhum quilômetro asfaltado. Na primeira visita à obra, queriam que eu fosse de helicóptero, pois não tinha como andar pela rodovia."

O compromisso para a construção da SC-415 foi assinado há nove anos. Nesse período, o Estado conseguiu financiamento da Corporação Andina de Fomento (CAF). Mas, na troca de governo, a nova administração não sabia que o crédito havia sido aprovado e o processo teve de ser retomado, lembra Hildo Battistella, idealizador do porto. Em 2009, as obras foram iniciadas, mas andaram em marcha lenta até o início deste ano.

Hoje restam 6 quilômetros de rodovia para serem asfaltados. Mas muitos caminhões já estão trafegando por lá, apesar da falta de sinalização e dos obstáculos na pista.

Battistella destaca que não foi fácil tirar o porto do papel. A ideia de construir o terminal surgiu há 20 anos, quando o Brasil iniciava sua abertura comercial. O Grupo Battistella exportava toras de pinus e sofria com a falta de capacidade dos portos nacionais, que sempre davam prioridade para a soja.

Numa ocasião, ele teve de arcar com um prejuízo de US$ 250 mil por atraso no embarque de suas mercadorias no Porto de São Francisco do Sul. Foi aí que decidiu construir um porto próprio. Encontrou em Itapoá as condições adequadas para o terminal. "Parecia uma bênção de Deus. O calado era muito bom e a retroárea seca, sem problema de banhado." Mas, desde aquela época, o acesso terrestre era uma grande deficiência. "A primeira vez que tentei visitar o local a ponte estava quebrada. Tive de ir de helicóptero."

O acesso continua um problema, mas não foi o único entrave para construir o porto, que custou US$ 312 milhões, e está localizado num balneário rodeado por mata atlântica. A pedra fundamental foi lançada em 22 de dezembro 2005. De lá para cá, foram 27 licenças e pareceres de diversos órgãos brasileiros.

"Um dependia do outro e tudo travava. Era a maior burocracia", diz Battistella, de 70 anos. "Mas o maior problema está no Ibama, que não tem gente suficiente para avaliar a enorme quantidade de projetos Brasil afora. Esse é um órgão que merecia mais suporte do governo."

-------------------------------------------------------------------------------- adicionada no sistema em: 08/01/2012 06:52