Título: O ano do dólar?
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/01/2012, Economia, p. B3

As oscilações cambiais devem refletir mudanças no desempenho das principais economias; moedas de mercados emergentes também vão se enfraquecer

A projeção de variações cambiais é uma atividade fútil. Verdade seja dita, modelos econômicos não são muito bons para prever movimentos cambiais em algo menos que um horizonte de três anos. Os investidores, compreensivelmente, não estão inclinados a pagar regiamente pelo conhecimento de que o dólar provavelmente se fortalecerá em relação ao euro em algum momento entre agora e 2015.

Dito isso, há algumas tendências amplas a se considerar para 2012.

Primeiro, as oscilações cambiais refletirão as mudanças no desempenho do crescimento das principais economias. Embora os Estados Unidos enfrentem ventos contrários em 2012, não resta dúvida de que terão um desempenho melhor que a Europa. Na Europa, a consolidação fiscal já está em curso, reduzindo a pressão sobre a demanda. Nos EUA, ao contrário, o processo de "sequestro", em que os gastos federais serão automaticamente cortados, só entrará em vigor no início de 2013. Os bancos europeus, submetidos a instruções severas para aumentar os níveis de capitalização, o farão principalmente com a limitação dos empréstimos, desacelerando ainda mais o crescimento no Velho Continente. Enquanto isso, o barulho político em torno da resolução da crise do euro persistirá.

Assim, embora os EUA possam crescer até 2% em 2012, a Europa será feliz até se crescer alguma coisa. A demanda fraca em casa significa que a Europa terá de exportar mais daquilo que produz. Isso, por sua vez, vai requerer a contribuição de um euro mais fraco.

As moedas de mercados emergentes provavelmente também vão se enfraquecer ante o dólar à medida que o crescimento arrefecer no Brasil, China e outros países em desenvolvimento. Os emergentes não podem permanecer ilhas de prosperidade num mar global deprimido. Com a persistência dos problemas econômicos e financeiros nas economias avançadas, é inevitável que o crescimento nos mercados emergentes seja arrastado para baixo.

Um crescimento mais lento fará os mercados emergentes serem menos atrativos para o investimento estrangeiro. E, à medida que o crescimento desacelere e os bancos centrais cortem taxas de juros em resposta, a isca dos altos retornos para investimentos de curto prazo em mercados emergentes se tornará menos sedutora.

Esses desdobramentos já são visíveis no Brasil, onde o crescimento paralisou, a moeda enfraqueceu e o Banco Central está preparando os mercados para novos cortes de juros. Circunstâncias parecidas são evidentes também na China, onde as exportações para a Europa estão despencando. O mercado imobiliário chinês está se enfraquecendo vertiginosamente. Embora isso ainda não tenha se revelado nos preços, o volume de transações caiu acentuadamente. E onde os volumes lideram, os preços acabam seguindo.

A primeira baixa será o setor de construção da China, que tem sido o principal motor do crescimento do país nos dois últimos anos. Já existem sinais de que, em resposta, o Banco do Povo da China interrompeu a valorização do yuan ante o dólar, na tentativa de substituir a demanda da construção pela demanda da exportação. Se o crescimento chinês se desacelerar mais, como é provável, podemos esperar mais medidas na mesma direção.

Juntamente com os diferenciais de crescimento, os fluxos de "carry-trade" (fluxos de capitais que se aproveitam das diferenças entres os juros dos países) provavelmente não pesarão contra o dólar e não sustentarão o euro na mesma medida em 2012. A estratégia tradicional de tomar emprestado nos EUA, onde as taxas de juros são baixas, para investir onde as taxas são mais altas se tornará menos atraente à medida que outros bancos centrais, a começar pelo Banco Central Europeu (BCE), acompanharem o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) cortando as taxas até perto do nível zero. No ambiente volátil do próximo ano, o risco dominará o retorno. E o risco crescente de investir na Europa e nos mercados emergentes sustentará o dólar.

Isso conduz a um último ponto, a saber, que o dólar continua sendo o único porto realmente seguro. O euro é tudo menos isso. As moedas de mercados emergentes, quer seja o real ou o yuan, carecem dos mercados profundos e da liquidez característica de um ativo seguro, enquanto os mercados em francos suíços e coroas norueguesas são simplesmente pequenos demais para essas moedas terem um papel significativo.

O fato de não haver alternativas significativas aos bônus do Tesouro americano como ativos seguros significa que os investidores internacionais provavelmente não fugirão tão cedo do mercado de bônus americanos. A dívida pública em rápido crescimento pode colocar uma ameaça à condição de porto seguro do dólar em algum momento, mas não em 2012.

Todos os argumentos econômicos sugerem, portanto, que 2012 será o ano do dólar. Mas se apoiar tão pesadamente em argumentos econômicos pode ser perigoso para a sua saúde financeira. Economistas famosos, de John Maynard Keynes a Paul Samuelson, foram também famosos especuladores cambiais. E famosamente perderam dinheiro nisso, uma montanha. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA

BARRY EICHENGREEN É PROFESSOR DE ECONOMIA, CIÊNCIAS POLÍTICAS NA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, EM BERKELEY