Título: O sacrifício da Grécia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/02/2012, Notas e informações, p. A3

A Grécia está de joelhos e acuada, com o governo, os partidos aliados e o Parlamento comprometidos, de papel passado, a cumprir as imposições da troica - a União Europeia, o Banco Central Europeu (BCE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). E bastará uma nova rodada de sacrifícios para a solução do problema? Provavelmente, não. Nas ruas das principais cidades gregas milhares de manifestantes têm protestado contra o novo aperto de cintos prometido pelo governo de Atenas em troca de nova ajuda financeira e do perdão de 50% ou mais da dívida grega com os bancos. A estatística do desemprego - 19,2% em outubro, segundo o último dado oficial - conta apenas uma parte do drama de milhões de famílias empobrecidas pela crise. A revolta contra a promessa de mais sacrifícios é tão compreensível quanto inevitável, e, no entanto, a mera rejeição do severo programa de ajuste seria uma resposta absolutamente irrealista.

O país não pode evitar o esforço pela correção de enormes distorções acumuladas em muitos anos, mas, sem algum crescimento, essa política será quase certamente inútil. Se não for totalmente inútil, será, no mínimo, muito mais dolorosa do que poderia ser, se um programa mais equilibrado fosse escolhido.

A Grécia está em recessão há cinco anos e sua economia tem piorado seguidamente. No último trimestre do ano passado, o Produto Interno Bruto (PIB) foi 7% menor que o de um ano antes. Era prevista oficialmente uma contração econômica de 5,5% no ano passado, mas os novos números obrigam a uma revisão das estimativas. O novo cálculo da agência Bloomberg aponta uma retração de 6,8% em 2011. Seja qual for o novo número oficial, será com certeza pior que os previstos anteriormente. A medida dos sacrifícios também será mais dramática: o desemprego de outubro foi 5,3 pontos porcentuais mais alto que o de um ano antes. Isso dá uma ideia do agravamento da situação social.

O ajuste recém-aprovado para este ano deve envolver um corte de 3 bilhões, ou 1,5% do PIB, nos gastos públicos. O pacote geral inclui uma redução de 22% no salário mínimo, uma diminuição das aposentadorias superiores a 1 mil e a demissão de uns 15 mil funcionários públicos. Além disso, os credores pressionam por um corte adicional de 325 milhões. Para arrumar suas contas, o governo podará tanto as despesas de custeio quanto os investimentos em infraestrutura. Além de impor ao país um severo aperto imediato, prejudicará as condições materiais necessárias ao crescimento econômico de longo prazo, mas, neste momento, não há sequer perspectiva de um retorno à expansão nos próximos 24 meses.

Conseguido o acordo político para o novo aperto, o governo terá de conseguir a rápida aprovação de um novo pacote de financiamento de 130 bilhões bancado pelo FMI e pela União Europeia. Sem isso não terá como pagar os compromissos de cerca de 14 bilhões com vencimento em 20 de março. Precisará também acertar com os bancos o perdão de uns 100 bilhões de seu débito com o setor privado. Se todas essas etapas forem cumpridas, o país poderá, segundo as projeções oficiais, reduzir de cerca de 146% para 120% do PIB, em 2020, sua dívida pública. Muitos economistas, no entanto, consideram otimista essa projeção.

Se o país continuar em recessão, argumentam os críticos dessa política, o Tesouro não recolherá impostos suficientes para o ajuste financeiro. Um plano de estabilização baseado só no corte de gastos é irrealista, nas condições da Grécia.

Numa economia com gordura para queimar, esse tipo de ajuste funciona, mas o caso grego é diferente. Além do mais, há o problema do câmbio. Países com moeda própria podem beneficiar-se de uma desvalorização cambial para ganhar competitividade e tornar o ajuste mais fácil e menos penoso. Os membros mais fortes da zona do euro, a começar pelos alemães, deveriam levar esse dado em conta e contribuir para uma correção menos penosa dos desajustes gregos.

Se quiserem de fato eliminar o risco de um calote desordenado e desastroso e de uma amputação da união monetária, será melhor adotarem uma atitude mais generosa - e realista - em relação à Grécia.