Título: Diplomacia, e não física nuclear, explica cerimônia iraniana
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Fonte: O Estado de São Paulo, 16/02/2012, Internacional, p. A14

Os anúncios que fez ontem o presidente Mahmoud Ahmadinejad, de jaleco branco e cara séria de aluno interessado, têm muito mais a ver com política do que com física nuclear, concordam especialistas. Os "avanços" divulgados são, no mínimo, modestos do ponto de vista técnico. E a explicação para a fanfarra na TV estatal - com transmissão em inglês ao vivo via satélite - está em outro lugar: na volta da barganha diplomática entre Teerã e as grandes potências.

Enquanto Ahmadinejad examinava o reator de Teerã, o Conselho Nacional de Segurança de seu país, submetido ao líder supremo, Ali Khamenei, respondia afirmativamente ao convite da União Europeia para retomar a negociação.

O Irã anunciou ontem duas novidades em seu programa nuclear. Primeiro, que inseriu com sucesso no reator de pesquisa de Teerã as varetas de urânio que fabricara com tecnologia própria. Segundo, que entrou em operação uma nova geração de centrífugas em Natanz capazes de enriquecer urânio três vezes mais rápido.

Ali Vaez, da Federação de Cientistas Americanos, afirma que as duas novidades foram calculadamente exageradas por Teerã. "Essas varetas que o Irã diz ter produzido são, na verdade, um mero amálgama de urânio enriquecido a 20% e não há garantias de que podem ser usadas no reator de Teerã", disse Vaez ao Estado. Segundo ele, houve uma "pegadinha" na TV iraniana: a vareta "made in Irã" não foi colocada dentro do reator, mas na piscina que refrigera o equipamento. "Esse reator, aliás, tem 45 anos e foi doado pelos EUA ao xá. Antes de usar uma dessas varetas pela primeira vez, é preciso testá-las. O Irã nem sequer tem um reator para realizar esses testes. Se as varetas não funcionarem direito, pode haver um acúmulo de hidrogênio e uma explosão."

Sobre a nova geração de reatores, Vaez diz que o projeto tinha sido anunciado seis anos atrás por Ahmadinejad. "Só agora eles conseguiram ter essas centrífugas e num número bem modesto", afirma. "Por causa das sanções, o programa avança muito lentamente."

Ao afirmar que pode produzir suas próprias varetas de combustível e novos reatores, o Irã tentaria embaralhar as cartas no jogo com o chamado "P5+1" - os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança (EUA, França, Grã-Bretanha, Rússia e China) mais a Alemanha. "Já vimos isso antes: o Irã faz grandes anúncios e, depois, não sobra muita coisa", diz Shannon Kile, do International Peace Research Institute.