Título: O difícil recomeço depois do fim do sonho americano
Autor: Gerbelli, Luiz Guilherme
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/02/2012, Economia, p. B16

Desde 2008, mais de 5 mil emigrantes voltaram para Governador Valadares

As casas de cores berrantes e chamativas parecem agravar a sensação de calor de Governador Valadares, interior de Minas Gerais. Elas são a principal herança dos emigrantes das décadas de 80 e 90 que retornaram para a cidade depois de verem o sonho de vida melhor fora do País ser interrompido pela crise econômica. Desde 2008, a estimativa é que cerca de 5 mil valadarenses voltaram para a cidade.

O retorno desse contingente está obrigando o governo a repensar as políticas públicas para recebê-los. O Ministério do Trabalho e Emprego decidiu instalar uma Casa do Migrante na cidade. Será a quarta do País. As outras três estão localizadas em Foz do Iguaçu, Paraná; Oiapoque, no Amapá; e na cidade de São Paulo. O edital para o projeto foi publicado no Diário Oficial da União, em janeiro deste ano.

Na década de 80 e 90, milhares de valadarenses deixaram a cidade e passaram a viver nos Estados Unidos e Europa em busca de melhores condições de vida. O êxodo fez com que a cidade fosse batizada de "Valadolares". Segundo o governo, 1,3 milhão de brasileiros ainda vivem ilegalmente nos EUA.

O local a ser criado em Governador Valadares servirá como ponto de apoio aos moradores, com cursos de capacitação e auxílio em questões burocráticas. No ano passado, prefeitos e lideranças da região do Vale do Rio Doce já haviam debatido com o Ministério das Relações Exteriores melhorias nas condições dos brasileiros que voltam do exterior.

A adaptação de quem volta não costuma ser fácil. A maioria tem idade avançada e pouca qualificação técnica, o que dificulta a reinserção no mercado de trabalho. "A crise tanto nos Estados Unidos como na Europa trouxe de volta pessoas com seus sonhos frustrados e muitas vezes sem alternativas para o futuro. Nem todos conseguem começar de novo", diz Sueli Siqueira, socióloga e professora da Universidade Vale do Rio Doce (Univale).

Hoje, a prefeitura de Governador Valadares tem tentado ajudar os emigrantes por meio do Programa Emigrante Cidadão (PEC), mas os recursos disponíveis ainda são muitos escassos. A Associação de Parentes e Amigos dos Emigrantes de Minas Gerais (Aspaemig ), com sede na cidade, também enfrenta dificuldade e só consegue resolver casos isolados de valadarenses.

Sem perspectiva na economia local, os emigrantes cometem outro grande erro: desprovidos de qualquer preparo ou planejamento, investem toda a quantia acumulada no exterior em um negócio próprio. Há alguns anos, a cidade teve um surto de salões de cabeleireiro, mas a maioria fechou. O setor imobiliário também já foi a bola da vez - sobretudo na época em que houve grande repasses de dólares para a cidade -, mas o valor do aluguel está caindo. O emprego no setor ainda é impulsionado pelo programa Minha Casa, Minha Vida, que soma mil moradias na cidade.

"As pessoas fazem muitos investimentos que não dão certo. Às vezes, não há planejamento nenhum, nem de custo nem de fluxo de caixa nem impostos", diz Raimundo Silveira, gerente do PEC. Em 2011, o órgão ofereceu cursos gratuitos de capacitação aos emigrantes, o que deve se repetir este ano.

Mudança. O retorno dos valadarenses mudou o perfil econômico da cidade. No auge da migração, as remessas de dólares chegaram a ser responsáveis por um terço do orçamento municipal. Hoje, a principal atividade é o comércio e os serviços. Esses setores são responsáveis por cerca de 60% dos empregos gerados na cidade.

No setor de serviços, por exemplo, o investimento mais recente foi a instalação de um call center que empregou 2 mil pessoas - até o fim do ano mais mil vagas deverão ser criadas. O investimento deve injetar cerca de R$ 19 milhões na economia da cidade. "Em 2011, Valadares ficou nos primeiros lugares em geração de empregos no Estado de Minas. Em dezembro, a cidade ficou em primeiro lugar", diz a prefeita Elisa Costa (PT).

O setor de educação também cresce e ajuda a movimentar a renda da cidade. A universidade federal que será implantada na cidade deve realizar o primeiro vestibular este ano. Em 2010, foi inaugurado o Polo de Educação a Distância.

Apesar das mudanças econômicas das últimas décadas, Governador Valadares se manteve como polo regional. Cerca de 50 municípios, onde vivem 1 milhão de habitantes, dependem da economia valadarense. "A cidade é um polo regional e o comércio consegue sobreviver sem as remessas", afirma Sueli Siqueira.