Título: Brasil deve se envolver mais na ajuda externa
Autor: Carranca, Adriana
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/01/2012, Economia, p. B8

Hoje no comando de uma Fundação, o bilionário vai apelar aos emergentes por maior colaboração com os países pobres

Bill Gates desembarcará no Fórum Econômico Mundial, que começa hoje em Davos, na Suíça, com um apelo aos países ricos para que não cortem a ajuda externa que destinam aos países necessitados, apesar da recessão mundial.

Ao Brasil, pedirá que assuma maior compromisso com as nações pobres. "Chegou o ponto em que o Brasil deve se envolver mais na ajuda externa e assumir uma posição de liderança (no desenvolvimento global)", disse ao Estado, por telefone, o bilionário criador da Microsoft que hoje dedica o tempo à Fundação Bill & Melinda Gates.

O apelo de Gates será feito em um momento de pessimismo entre as lideranças globais - pelo menos 54% delas acreditam que em 2012 o mundo enfrentará uma ruptura geopolítica e a queda da cooperação internacional. O porcentual foi obtido pelo Índice de Confiança Global, com base em entrevistas feitas com 345 empresários, investidores e representantes de governos e organizações internacionais membros do Fórum Mundial.

Para garantir que a ajuda externa não seja reduzida, Bill Gates tentará convencer não apenas a Europa a manter os 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) destinados às nações pobres, mas também os emergentes Brasil, China e Índia a aumentarem seus volumes de doações até o nível europeu.

Na carta anual que escreve a doadores e parceiros, Gates cita o Brasil como parceiro fundamental para ajudar a transferir tecnologia a países pobres, principalmente da África, e alavancar o desenvolvimento dessas regiões.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual é o papel do Brasil no desenvolvimento global?

O Brasil é o único país tropical que tem feito um grande trabalho na agricultura. É líder na produção de soja e mandioca e avançou muito no conhecimento do solo, desenvolvimento de tecnologia para evitar doenças e aumentar a produtividade e assistência aos agricultores. A inovação trazida por órgãos como a Embrapa permitiu a transformação do cerrado. Nesse sentido, há muitos avanços concretos que o Brasil pode fazer no mundo.

Como a sexta maior economia do mundo, o Brasil tem feito o suficiente para ajudar os países pobres?

O Brasil tem muito com que se orgulhar sobre o que tem feito para reduzir a pobreza no próprio país e parte disso tem a ver com boas políticas públicas. Mas acho que chegou o ponto em que pode assumir projetos realmente ambiciosos para ajudar países pobres, especialmente da África, a resolverem seus problemas. Nesse sentido, o Brasil tem condições de fazer muito mais. Nós assinamos, no mês passado, um acordo com o governo local para trabalhar em alguns projetos. Com apoio do Japão, o Brasil vai ajudar a alavancar a agricultura de Moçambique, que tem 55 milhões de hectares de cerrado e 80% de população rural.

O senhor defende que os países emergentes devem contribuir no mesmo patamar que os ricos?

Absolutamente! Não espero que seja uma decisão imediata, mas países como o Brasil, antes receptores de assistência que agora deram a volta por cima, devem aumentar a ajuda gradualmente. Se alguns derem o exemplo, outros seguirão. No G20, o primeiro-ministro britânico David Cameron disse que seria mais fácil aprovar a manutenção da ajuda em 0,7% do PIB em seu país se outros o fizessem.

Como convencer os países a oferecer ajuda em tempos de crise?

No G20 propus a criação de novos impostos sobre transações financeiras, tabaco, emissão de carbono. Essas ideias não têm aceitação unânime, mas alguns países podem adotá-las. Agora, muitas outras coisas podem ser feitas para aumentar a ajuda externa. Brasil, Índia e China podem contribuir não apenas com novos recursos, mas com a experiência de terem enfrentado e vencido alguns dos problemas que outras partes do mundo ainda enfrentam.

Os Estados Unidos e a Europa passam atualmente por uma recessão, com altos níveis de desemprego e o pessimismo aponta para a queda da cooperação internacional. Como o sr. vê esse cenário?

É uma questão de escolha. Nos últimos anos, reduzimos em 20% as mortes por malária, mas precisamos chegar a uma redução de 100%. Pelo menos 8,6 milhões de pessoas receberam tratamento contra tuberculose e 6,6 milhões de pessoas tomam medicamento antirretroviral. Se os países mantiverem o compromisso com ajuda externa, teremos US$ 10 bilhões (dinheiro destinado ao Fundo Global de Luta Contra AIDS, Tuberculose e Malária, um dos primeiros projetos da Fundação Bill & Melinda Gates) para continuar avançando. Está longe dos US$ 14 bilhões que precisamos, mas já é significativo. Agora, se esse dinheiro for cortado o ritmo de progresso irá desacelerar na mesma medida. E isso será uma grande frustração.