Título: O binômio de Dilma
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/02/2012, Notas e informações, p. A3

A presidente Dilma Rousseff usou uma fórmula atraente, o binômio disciplina e ousadia, para indicar as qualidades necessárias à gestão econômica em 2012, num cenário internacional de instabilidade e alto risco. Em sua mensagem ao Congresso, no início do ano legislativo, ela resumiu as grandes linhas do governo para condução da economia. Com disciplina, será possível garantir o resultado fiscal programado, reduzir a proporção entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB) e manter a inflação sob controle. A ousadia, acrescentou, permitirá adotar as medidas necessárias ao crescimento da produção e do emprego e à proteção da estrutura produtiva. A mensagem seria mais tranquilizante se àquelas duas qualidades fossem acrescentadas mais duas - competência gerencial e coragem para montar uma administração sem loteamento e sem aparelhamento.

O loteamento continua, como comprova a nomeação do deputado Aguinaldo Ribeiro, do PP da Paraíba, para substituir seu colega de partido Mário Negromonte no Ministério das Cidades. O bom e simples critério da competência parece ter sido mais uma vez posto de lado, apesar das amplas e complexas tarefas atribuídas a esse Ministério - responsável, por exemplo, por importantes projetos para a Copa de 2014. Em 2011 foram gastos no Programa de Gestão da Política de Desenvolvimento Urbano R$ 680,6 milhões dos R$ 2,4 bilhões previstos no Orçamento. Quase todo o dinheiro, R$ 659,5 milhões, saiu de restos a pagar. Terá a presidente expectativa de melhor desempenho neste ano?

Em 2011, 157 dos 297 programas orçados tiveram realização acima de 70%, segundo levantamento da organização Contas Abertas. Pode ter sido um resultado melhor que os de outros anos, mas o conjunto continua desanimador. Em outros 145 programas, 45% do total, os gastos ficaram abaixo de dois terços da dotação atualizada. A contenção de despesas explica somente uma pequena parcela desse resultado. Na maior parte dos casos, a causa foi mesmo a incapacidade de converter as promessas em realidade.

Segundo a presidente, a segunda fase do programa Minha Casa, Minha Vida já está em execução, com 457 mil moradias contratadas até dezembro. Mas os desembolsos do ano passado foram na maior parte destinados à liquidação de restos a pagar deixados pelo governo anterior. Boa parte do trabalho da administração federal, em 2011, serviu apenas para concluir ou levar adiante tarefas herdadas.

Como a máquina pouco mudou, os padrões de eficiência pouco se alteraram. As trocas de ministros foram quase todas motivadas por escândalos. Em nenhum caso a presidente promoveu substituições no primeiro escalão com o objetivo claro de elevar o padrão administrativo.

Também na administração indireta o desempenho foi precário. As estatais investiram R$ 82,4 bilhões, R$ 1,8 bilhão a menos que em 2010, em valores correntes. Nem a Petrobrás escapou, e seu investimento caiu de R$ 74,7 bilhões para R$ 71,3 bilhões no ano passado. Mas o padrão geral pouco variou, porque esse valor ainda correspondeu a 86,5% do total aplicado pelas estatais. A maior parte das empresas controladas pelo governo continua muito lenta na execução de seus projetos e também isso deve ser explicável, em boa parte, pela ocupação partidária dos postos mais altos.

Quanto ao resultado fiscal, o de 2011 foi possibilitado principalmente pelo aumento da arrecadação. Se houve alguma contenção de gastos, foi muito suave. Para este ano se promete, novamente, mais que um mero contingenciamento de desembolsos. Fala-se num corte de pelo menos R$ 60 bilhões. Sem um sério esforço na gestão orçamentária, dificilmente o Banco Central poderá continuar podando os juros sem risco de descontrole da inflação. A presidente não deveria esquecer esse detalhe, especialmente por causa das incertezas na área externa.

A presidente prometeu também levar adiante sua política industrial e de comércio exterior. Mas essa política tem consistido basicamente de remendos tributários mal concebidos e de ações comerciais protecionistas. Não se constrói uma indústria poderosa com esses ingredientes.