Título: O Judiciário nunca explicou à sociedade as suas funções
Autor: Recondo, Felipe
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/02/2012, Nacional, p. A8

Criminalista avalia que duplicidade de entendimentos no STF não representa ruptura no Poder Judiciário

Um dos mais respeitados criminalistas brasileiros, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira ainda tem dúvidas se o Judiciário está em crise, mas define: "Se for crise, é uma crise pedagógica". Para ele, a Justiça sempre foi um "poder hermético" e que nunca explicou à população suas funções. Embora defenda para o CNJ um papel ligeiramente diferente do que foi determinado pelo STF nesta semana - Mariz acredita que a corregedoria nacional deveria funcionar como um órgão de segunda instância -, ele diz que "a decisão correspondeu à expectativa daqueles que sempre acreditaram no Conselho Nacional de Justiça".

O placar apertado indica uma divisão mais profunda no tribunal ou estes rachas são esperados?

O Supremo já vinha sinalizando essa duplicidade de entendimentos. O fato de ter sido seis a cinco não representa absolutamente ruptura, porque o Judiciário é isso mesmo: os órgãos colegiados casuisticamente se dividem a favor ou contra determinada tese. De um modo geral, a decisão correspondeu à expectativa daqueles que sempre acreditaram - ou passaram a acreditar, que é o meu caso - no Conselho Nacional de Justiça. Acho que foi uma decisão que manteve as competências das corregedorias, mas não retirou o poder, ao contrário, fortaleceu, do CNJ.

Existem argumentos jurídicos para justificar o poder do CNJ de investigar magistrados juntamente às corregedorias locais?

Eu entendo que nas questões relacionadas a desembargadores, portanto na Justiça de segundo grau, a competência originária deve ser do CNJ. No entanto, no que diz respeito ao juiz de primeiro grau, eu acredito que as corregedorias locais devam ter esta competência. Deve haver um prazo para que as corregedorias terminem suas investigações e profiram suas decisões com possibilidade de o CNJ agir como instância de segundo grau.

O sr. acha que um órgão de controle externo ao Judiciário seria mais adequado?

Acho que não. Se forem obedecidas as atribuições constitucionais do CNJ, as coisas andarão bem.

E têm andado bem?

Muito. No início, eu era voz discordante na Ordem dos Advogados do Brasil, porque eu não tinha muita certeza da necessidade, da conveniência, de um órgão externo ao Judiciário. O que nós assistimos hoje é que o órgão CNJ não é externo ao Judiciário e está, efetivamente, realizando um excelente trabalho, razão pela qual eu dou a mão à palmatória e mudo a minha opinião.

Por que existe tanta resistência do Judiciário à fiscalização externa?

Como os juízes têm independência e autonomia nas suas decisões, essa independência atinge o poder como um todo e o torna absolutamente impermeável a qualquer tipo de ingerência externa. Esta cultura está se modificando, até porque ela é incompatível com a democracia que nós pretendemos construir no País.

O que o sr. acha da insinuação de alguns magistrados de que a crise foi estimulada pelo julgamento do mensalão neste ano?

Acho uma ilação absolutamente gratuita. Não vejo nenhum liame, nenhuma ligação, entre o julgamento do mensalão e as questões que estão sendo postas para que a sociedade as discuta, para que o Judiciário se reveja e faça uma autocrítica.

O presidente do STF, ministro Cezar Peluso, rechaçou a ideia de que o Judiciário está em crise. Existe crise?

No Brasil, o Judiciário tem exercido suas funções, no sentido de dizer o direito, de dar a cada qual o que lhe é devido, de forma satisfatória. Há, no entanto, um aspecto do Judiciário que esta chamada crise talvez venha a remover. Esse aspecto diz respeito ao fato de ser o Judiciário um poder hermético, um poder que nunca agiu no sentido de explicar à sociedade quais suas funções, qual o seu objetivo primordial. Vale dizer: o Judiciário é, dos três, o poder mais desconhecido e talvez, por causa disto, o mais incompreendido. Era preciso que algo efetivamente acontecesse para que discutíssemos abertamente, com transparência, todo o Judiciário. Se é crise, se não é crise, eu não sei. Mas, se for crise, é uma crise pedagógica.