Título: Justiça do Egito diz que julgará 19 americanos
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2012, Internacional, p. A13

Anúncio ocorre no 4º dia de violência após massacre em estádio; além dos cidadãos dos EUA, 25 responderão por 'financiamento ilegal' de ONGs

Em meio aos protestos e à violência no Cairo, o Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA) do Egito levará a julgamento 44 pessoas, dentre as quais 19 americanos, por crime de "financiamento ilegal" de ONGs. O suposto crime seria praticado por instituições de defesa da democracia e dos direitos humanos, grande parte estrangeiras.

O julgamento é mais uma tentativa da junta militar egípcia de atribuir os distúrbios que varrem o país há quase um ano a complôs externos.

O anúncio dos processos vem à tona no momento em que o chefe do regime de transição, Mohamed Tantawi - ex-ministro da Defesa do ditador Hosni Mubarak -, é pressionado a renunciar e a antecipar as eleições presidenciais.

Segundo a France Presse, a Justiça do Egito vai levar ao banco dos réus 19 americanos, além de sérvios, noruegueses, libaneses e egípcios, membros de organizações de defesa dos direitos humanos e de promoção da democracia. Entre as instituições, estão as americanas National Democratic Institute, a International Republican Institute e a Freedom House, além da alemã Konrad Adenauer.

Em decorrência dessa investigação, o Departamento de Estado dos EUA ameaça suspender repasses às Forças Armadas egípcias, que recebem anualmente cerca de US$ 2 bilhões - US$ 1,3 bilhões só em ajuda militar.

Ontem, os EUA reagiram com indignação ao iminente processo contra 19 cidadãos americanos. "Vimos reportagens na mídia de que autoridades do Judiciário (egípcio) pretendem encaminhar à Corte Criminal do Cairo vários processos envolvendo ONGs financiadas por americanos", disse Victoria Nuland, porta-voz do Departamento de Estado. "Estamos extremamente preocupados com essas informações e pedimos explicações ao Egito."

Mas, entre sinais de endurecimento e afagos, a junta militar egípcia acenou ontem com a possibilidade de transferir Mubarak do hospital militar em que está para o hospital-prisão de Tora. Alegando problemas de saúde, até hoje Mubarak não foi detido - uma das razões da insatisfação popular no Egito.

A possível prisão do ex-presidente seria uma concessão aos manifestantes, que desde o massacre do estádio de futebol de Port Said, na quarta-feira, voltaram às ruas de Cairo, Suez, Alexandria e outras cidades para denunciar a tentativa dos militares de se manter no poder.

Em resposta à pressão, no sábado o conselho consultivo que assessora a junta militar propôs a antecipação das eleições presidenciais, marcadas para maio, e a demissão dos integrantes das Forças Armadas ligados ao regime - caso de Tantawi. Até ontem, contudo, os militares não se haviam manifestado.

Violência. Enquanto a junta militar tenta responder à nova onda de revolta, os manifestantes não cedem no Cairo. Entre o sábado e o domingo, o Estado voltou a acompanhar os distúrbios na Rua Mansur, onde fica o Ministério do Interior - via adjacente à Praça Tahrir.

Essa parte do centro está sitiada pelos rebeldes, que ameaçam invadir o ministério. O local foi transformado em praça de guerra, com barreiras de concreto e arames farpados isolando a área.

De um lado, os manifestantes usam pedras e coquetéis molotov para atacar as tropas de choque, que respondem com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha.

Nas imediações, o ar é tão impregnado que a dezenas de metros da linha de frente já se sente forte ardência nos olhos e nas vias respiratórias provocadas pelo gás. Para combater os efeitos, os manifestantes vestem máscaras cirúrgicas.

A cerca de dois quarteirões dos tumultos, médicos e enfermeiros voluntários socorrem as vítimas na calçada. O fluxo de ambulâncias é constante para retirar os casos mais graves de intoxicação. "É com isso que o governo e a polícia nos atacam e matam", afirmava Mohamed Jamal, de 26 anos, com uma granada de gás detonada nas mãos.