Título: Furto de energia
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2012, Notas e informações, p. A3

Além da pesada carga tributária, as contas de luz ainda são oneradas pela ação de "gatos", como são chamadas as ligações clandestinas que indivíduos ou quadrilhas fazem na rede de energia elétrica, criando situações de alto risco para comunidades inteiras. Levantamento recém-divulgado pela Aneel revela que, em média, 13% da energia elétrica consumida no País não é faturada pelas concessionárias, ocasionando um prejuízo de R$ 7 bilhões por ano. Utilizando uma metodologia diferente, a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) estima que a média nacional seja de 5,1% em relação à energia gerada pelo sistema em operação. Por qualquer critério, é um grande prejuízo para o País, reduzindo a eficiência de grandes investimentos em infraestrutura. A energia consumida sem ser faturada - por furto ou fraude - é um dos pontos fracos do setor elétrico nacional, como disse Edvaldo Santana, diretor da Aneel. Pela sua comparação, é como se as duas grandes usinas do Rio Madeira fossem construídas apenas para cobrir as perdas.

A incidência de "gatos" e fraudes varia entre os Estados da Federação, figurando o Amazonas como recordista nesse item, com uma perda de 30,3% da energia, seguido pelo Piauí (21,9%), Alagoas (19,4%), Rondônia (19,1%), Pará (17,2%) e Acre (14,4%). Em comparação, em São Paulo, a taxa é de 3,3%; em Minas Gerais, é de 2,3%; e em Santa Catarina, de 1,4%, a menor de todo o País.

Um fator-chave para o combate à ação dos "gatos" é a fiscalização, seja por parte do governo, melhorando o policiamento, seja por parte das próprias concessionárias, que têm interesse direto em elevar o seu faturamento e, portanto, deveriam exercer maior vigilância. Nesse particular, algumas concessionárias têm tido uma ação bem mais efetiva do que outras, por motivos que não podem ser explicados simplesmente pela baixa renda da área de cobertura.

Pode-se alegar que, na região amazônica, dadas as grandes distâncias, é difícil coibir ligações clandestinas, mas, mesmo assim, o fato de quase um terço da energia ali consumida não ser paga chega a ser clamoroso. A mesma desculpa, aliás, não se aplicaria ao Piauí e a Alagoas. Segundo especialistas, há algo de errado na gestão administrativa das concessionárias da distribuição de energia nesses Estados. Isto é, não só os consumidores mais pobres estariam se valendo dos "gatos", mas também camadas de mais alto poder aquisitivo.

É grande, igualmente, o nível de perdas no Estado do Rio de Janeiro (13,8%), o mais alto da Região Sudeste. O Estado é servido por três distribuidoras: a Light (controlada desde 2009 pela estatal mineira Cemig), a Ampla e a Energisa Nova Friburgo. Especialmente na cidade do Rio, com muitas e grandes favelas, existe um ambiente propício para a proliferação de "gatos". As distribuidoras lutam contra eles, mas ainda estão longe de baixar as perdas para a média nacional. Como relatou André Moragas, diretor da Ampla, ao Estado (12/2), as perdas em sua área de concessão, que ficavam em torno de 25%, caíram para 19,66%. "A perda ainda é alta", comentou. "Vai continuar caindo, mas de forma mais gradual."

É preciso considerar ainda que, além dos prejuízos causados pelas ligações clandestinas, ocorrem perdas também no processo de transmissão e distribuição. Tudo considerado, a taxa do Brasil (próxima de 17%, segundo a Abradee) é quase o dobro da verificada em 38 países (9%). Como resultado, o País é dos que mais deixam de arrecadar em relação ao total de energia elétrica fornecido à população.

Tudo parece indicar que a tarifa social para o fornecimento de energia elétrica, para a faixa de até três salários mínimos, com descontos variáveis na conta de luz de acordo com o nível de consumo, não vem tendo a aceitação que seria de desejar. Isso porque os que montam os "gatos", com conhecimento rudimentar de eletricidade, prometem, mediante uma certa propina, "livrar" os consumidores de qualquer conta a pagar. As consequências têm sido os incêndios provocados por curtos-circuitos, que têm consumido favelas inteiras nos grandes centros.