Título: Ninguém pode prever se vai haver calote
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/02/2012, Economia, p. B3

Para economista italiano, projeções de crescimento para a Grécia no acordo de ajuda financeira aprovado ontem são irreais

As dúvidas sobre a capacidade da Grécia de evitar o default (calote), mesmo com o pacote de socorro de € 130 bilhões e o desconto de € 107 bilhões em dívidas, não se dissiparam nem mesmo em Bruxelas, onde o acordo foi negociado. Para o economista italiano Marco Incerti, do Centro de Estudos para Políticas Europeias (CEPS), as medidas aprovadas são um passo necessário, mas os cenários de crescimento para a Grécia são otimistas demais. A seguir, a síntese da entrevista.

O sr. acredita que o pacote aprovado será suficiente?

O programa aprovado era, antes de mais nada, necessário. Esses recursos, os € 130 bilhões em empréstimos e os € 107 bilhões em cortes de dívida, já eram mais ou menos esperados. Mas a situação da Grécia é tão complexa que ninguém pode prever se vai haver ou não default no futuro. Isso ocorre porque os cenários econômicos previstos pela União Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) no acordo giram em torno de 2%, 2,5%, até 3% de crescimento. Para uma economia que vem de uma queda do Produto Interno Bruto de 6,8% em 2011, é difícil acreditar que as hipóteses se confirmem. As previsões têm sido falhas em todos os países da Europa, imagine na Grécia. Mas é um acordo que tinha de ser feito.

Falava-se em uma "conta bloqueada" para os recursos. Agora a UE não usa mais o termo, mas sim o de uma "conta supervisionada". O que o sr. pensa disso?

A conta bloqueada é uma das preocupações que temos em relação ao acordo. Na realidade, temos a impressão de que há muito dinheiro sendo transferido pela comunidade internacional à Grécia. Mas, na prática, os recursos não chegarão de fato ao país. Eles serão transferidos aos credores. Logo, é difícil imaginar que haverá mudanças no nível de consumo, na retomada do emprego e na qualidade de vida do povo grego, que tem enfrentado dificuldades.

Mas o plano deveria se preocupar com questões macroeconômicas relativas ao pagamento da dívida ou com o crescimento na Grécia?

É preciso se preocupar com ambas as questões. Todos os esforços que foram feitos até aqui pela população da Grécia não devem resultar em mais austeridade em si, mas em um regime no qual a austeridade ajude a melhorar a situação no médio e longo prazos. Os protestos em Atenas devem ser considerados no contexto das reformas exigidas por Bruxelas e pelo FMI, porque eles podem ser reflexo da explosão da insatisfação em Atenas. É preciso que a opinião pública grega esteja convencida de que os sacrifícios são necessários para mudar o país. Para tanto, é preciso que as medidas de austeridade tão duras impostas até aqui tenham repercussões reais positivas.

O ministro da Economia da França, François Baroin, elogiou o equilíbrio do pacote por exigir sacrifícios da Grécia, mas também da Europa e investidores privados. O sr. concorda?

Essa talvez seja a novidade do pacote. Ainda vai haver muito sacrifício da população grega, mas o que foi bom no acordo é justamente o esforço feito para pedir mais renúncia de parte do setor financeiro internacional. O primeiro acordo, de maio de 2010, não tinha essa variável. Estávamos no limite do que a população da Grécia poderia aceitar em termos de salário mínimo, de reforma da aposentadoria, etc. É bom ver que a União Europeia, desta vez, busca esforços também do outro lado da economia. Se os cortes se limitassem à população grega, não haveria chance de crescimento, nem pagamento das dívidas, por consequência.

O sr. crê que o pacote seja uma mudança de direção de parte da União Europeia e do FMI, deixando a austeridade um pouco de lado e incorporando o discurso do crescimento?

Não, não acredito em mudança de direção. Há vários atores dentro da União Europeia e sabemos que alguns, como Alemanha e Holanda, são partidários da linha dura. Houve a carta de 12 primeiros-ministros pedindo mais ênfase no crescimento e há uma certa preocupação em relançar a economia e o desenvolvimento na Europa. Caso contrário, nenhum plano econômico vai funcionar. Os empréstimos também devem fazer a economia andar, ou serão fracassados. O problema é que não há muitas opções para relançar o crescimento nas circunstâncias de austeridade que estamos vendo na Grécia.

Um relatório divulgado pelo jornal "Financial Times" levantou a hipótese de que a Grécia precise de um terceiro pacote ao longo da década. Qual sua análise?

Os cenários de crescimento de 2,3% e 2,9% em 2013 e 2014 na Grécia me parecem irrealistas. Aliás, crescimento acima de 2% para a Grécia não parece factível. Por isso, de fato não podemos excluir a necessidade de mais pacotes de socorro. Mas aí a questão será se os governos da Europa estarão abertos a emprestar mais dinheiro à Grécia. / A.N.