Título: Tragédia pode tirar concessão de aliado de Cristina
Autor: Palácios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/02/2012, Internacional, p. A14

Número de mortos em acidente de trem em Buenos Aires sobe para 50; kirchneristas prometem investigar causas do choque

Um dia após o pior acidente ferroviário de Buenos Aires em 60 anos, parlamentares, sindicalistas e os usuários de trens exigiram da presidente Cristina Kirchner a suspensão da concessão da linha ferroviária Sarmiento à companhia TBA. Ontem, o número de mortos no choque de um trem na estação de Once subiu para 50. Ao menos 12 pessoas estão desaparecidas e 703 ficaram feridas.

Para o diretor da Auditoria-Geral da Nação, Leandro Despouy, existem condições para a rescisão da concessão. Segundo ele, o órgão tem relatado falhas da TBA há pelo menos cinco anos.

O líder sindical ferroviário Rubén Sobrero acusou a TBA e a Casa Rosada de descaso. "O sistema de sinalização é de 1923 e os trens foram comprados no governo do presidente Arturo Frondizi, há 50 anos", disse. A concessionária do serviço pertence à família Cirigliano, conhecida por sua amizade com integrantes do governo.

O sindicalista também definiu o sistema ferroviário como perverso. "Quando fazemos uma greve para reclamar das más condições de trabalho e do estado perigoso dos trens, o governo nos pressiona a voltar ao serviço, alegando que há 2 mil pessoas esperando nas plataformas."

Do total da receita da TBA, 76% vêm de verbas estatais. O governo Kirchner subsidia tarifas para a população de baixa renda que utiliza as linhas de trens metropolitanos da Grande Buenos Aires. Segundo dados oficiais, as empresas com concessões de trens e metrôs receberam US$ 3,6 bilhões entre 2007 e 2011. Mas somente 6,3% desse total foi destinado a investimentos em obras e modernização do equipamento.

Revolta. Declarações dadas ontem por Roque Cirigliano, um dos proprietários da TBA, provocaram críticas dos argentinos. Em reunião com outros diretores da empresa na estação de Once, ele afirmou que o serviço da linha Sarmiento é aceitável e o trem estava em boas condições. Ele disse ainda que o acidente pode ter sido causado por um erro humano.

As declarações do empresário irritaram dezenas de usuários da linha Sarmiento que passavam pelo saguão da estação. Sob os gritos de "delinquente", Cirigliano teve de se esconder durante alguns minutos em um dos banheiros, protegido pela polícia, para evitar agressões.

Um teste de nível de álcool no sangue a que se submeteu o condutor do trem deu negativo. Sobreviventes do acidente disseram à imprensa argentina que o trem já apresentava problemas para frear em estações anteriores. A estimativa da velocidade na hora do impacto varia de 26km/h a 45 km/h.

O juiz federal Cláudio Bonadio anunciou ontem a criação de uma comissão de peritos - entre os quais técnicos da Universidade de Buenos Aires e especialistas do Tribunal Supremo de Justiça - para investigar o acidente.

O ministro do Planejamento Federal e Obras Julio de Vido anunciou que o Estado argentino recorrerá à Justiça. A presidente Cristina emitiu um curto comunicado no qual expressava seu "profundo pesar pela morte dos cidadãos na tragédia ferroviária" de Once.

Oposição e entidades de defesa do consumidor pedem ao governo que responda criminalmente pela tragédia e alertam sobre o impacto da corrupção nos serviços públicos. "O Estado deveria ser processado", disse a deputada Victoria Donda.

A União de Consumidores da Argentina alertou para os efeitos da corrupção no setor . "Em momentos de dor, não podemos deixar de perguntar onde está o dinheiro dos subsídios aos trens que o governo distribui há oito anos. Será nos iates, apartamentos de luxo e hotéis caros do ex-secretário de Transportes Ricardo Jaime?", questionou o presidente da entidade, Fernando Blanco Muiño.

Luto. Parentes das vítimas ainda procuravam ontem notícias sobre sobreviventes. Grávida de 9 meses, Estela García buscava informações sobre o marido, Alberto. Havia indícios de que ele estava na estação de Once na hora do acidente. Ela não o encontrou nos hospitais nem no Instituto Médico Legal. No fim da tarde o corpo dele apareceu. Estela foi internada em estado de choque em um hospital portenho.