Título: Alguns ensinamentos da AL poderiam servir de modelo
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/02/2012, Economia, p. B7

Métodos keynesianos para um relançamento rápido da economia não funcionam agora como funcionaram em 2008 e 2009

A despeito da excitação gerada pelo debate sobre a crise da dívida soberana na zona do euro, suas causas e os possíveis remédios, concordamos todos em um ponto central: teremos de atacar os problemas pela raiz.

Na zona do euro - como em outros lugares -, estes consistem no elevado nível de endividamento, na insuficiência competitiva e na fraca regulação do setor financeiro.

A questão que divide os membros da zona do euro e seus críticos, essencialmente no mundo anglófono, é a do remédio a ministrar: enquanto que a Europa optou por reformas estruturais fundamentais e uma redução da dívida em benefício do crescimento, outros acreditam na salvação através de estímulos a curto prazo que permitam às economias mais frágeis da Europa crescer, deixando para trás a situação de endividamento. Cabe contar com um tratamento prioritário dessas questões durante a reunião dos ministros do G-20 e presidentes de bancos centrais no México, programada para este fim de semana.

A Alemanha defende a posição de que a dinamização do consumo e do crescimento através de estímulos a curto prazo não será suficiente para a superação da crise. Bem pelo contrário, a própria crise representa uma denúncia dessa filosofia.

Uma estratégia para o crescimento baseada no acúmulo ainda maior de dívidas terá como efeito, a longo prazo, travar em vez de estimular o crescimento.

Trata-se de uma lição que alguns países da América Latina tiveram de aprender. Quando as políticas fiscais e financeiras estão descontroladas e os níveis da dívida e do déficit deixaram de ser sustentáveis, os métodos keynesianos para um relançamento rápido da economia deixam de funcionar.

Esses estímulos funcionaram em 2008 e 2009 quando a confiança no sistema sofreu um colapso, porém as fundações eram sólidas em muitas economias avançadas. Hoje, os problemas estruturais pendentes em partes da zona do euro significam que qualquer estímulo financiado através da contração de dívidas se esgotaria rapidamente, acabando por aumentar ainda mais o endividamento dos países.

Qualquer que seja o esforço financeiro, não vamos poder fugir da situação difícil que atravessamos nem vamos diminuir o peso da nossa dívida inflacionando-a cada vez mais.

Afrouxar a política monetária e fiscal no curto prazo para prometer um regime mais rigoroso na sequência talvez tenha funcionado no passado. Hoje, porém, a perda de confiança dos investidores e da população em alguns dos países- membros da zona do euro é tal que esses mecanismos fracassariam.

O compromisso assumido na cúpula do G-20 em Cannes, no ano passado, no sentido de implementar políticas fiscais estimulantes na hipótese das condições econômicas globais deteriorarem, aplica-se, na realidade do cenário atual, apenas aos países cujas contas públicas continuaram estáveis e que conseguiram manter suas metas fiscais para o médio prazo.

Concluímos que deveríamos inspirar-nos com aqueles que já concretizaram ajustes estruturais no passado em vez de buscar remédios keynesianos. A Alemanha, muitos de nossos vizinhos no leste e no norte europeu, como também várias economias da América Latina, o México e o Brasil inclusive, abandonaram as políticas econômicas assentes na dívida, aceitaram regras fiscais e implementaram reformas que tornaram seus setores público e privado mais eficazes e competitivos.

Isso não significa que a mera disciplina fiscal seja suficiente para garantir uma redução duradoura da dívida e do déficit públicos. O crescimento constitui um ingrediente necessário. Mas o crescimento precisa ser sustentável e é por esse motivo que a Europa optou pela dinamização da produtividade, pela exposição cada vez maior dos seus mercados à concorrência externa, pela melhoria do sistema educacional e pelo esforço de tornar seus mercados de trabalho mais flexíveis e mais integrados.

Reformas estruturais e fiscais não deixam de ter desvantagens - requerem mais tempo e tendem a fazer sofrer, ao menos numa primeira fase, os segmentos mais fracos da sociedade. É uma das razões pelas quais alguns dos Estados-membros da zona do euro que lutaram por recursos próprios estão recebendo apoio dos demais Estados-membros e do Fundo Monetário Internacional no intuito de atenuar os rigores da transição.

Serão suficientes essas medidas para prevenir o risco de contágio? A dívida soberana - será que também ela deveria ser mutualizada na zona do euro? Será que o Banco Central Europeu deveria imprimir dinheiro para financiar os orçamentos dos Estados-membros? Será que deveríamos ampliar constantemente os firewalls? A resposta clara é não.

Essas medidas não só faltariam à solução dos problemas ligados ao endividamento e à competitividade que levaram os países afetados para onde estão hoje, mas também acarretariam um desincentivo para seus governos de continuar com a consolidação e as reformas necessárias.

Se quisermos que os países da zona do euro cresçam de forma duradoura e que o euro mantenha a estabilidade impressionante de que deu provas desde sua criação, os retardatários da Europa precisam priorizar sua competitividade. É esta a única maneira de restaurar a confiança popular e a dos investidores, e a única maneira de reduzir a elevada taxa de desemprego em alguns desses países, sobretudo a dos jovens.

Insistimos na necessidade de reformas fiscais e estruturais rápidas por serem as únicas medidas com hipótese de sucesso. Não nos limitamos a sanar os sintomas, mas atacamos as causas dos problemas - por enquanto com êxito.