Título: Internet e TV pirata driblam mordaça imposta por Damasco
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/02/2012, Internacional, p. A10

Oposição monta eficiente rede para registrar os crimes do regime Assad e difundi-los dentro da Síria e no exterior

Com pobre organização militar, a oposição síria tem se destacado em pelo menos uma frente: a midiática. Por mais que o regime de Bashar Assad tenha tentado silenciar os dissidentes e impedir que imagens dos massacres fossem difundidas, voluntários, jornalistas locais e centenas de estudantes lançaram uma operação de guerrilha para driblar o cerco organizado por Damasco.

"Se a internet e os celulares com câmeras existissem em 1982, Hafez Assad (pai de Bashar) não teria matado 20 mil pessoas", afirmou Aghead Sh, universitário de Homs, referindo-se ao infame massacre de Hama, há 30 anos. As informações do banho de sangue promovido por Hafez levaram semanas para chegar ao Ocidente, enquanto Damasco insistia que tudo estava sob controle.

Em seu laptop do lado jordaniano da fronteira, Aghead trabalha freneticamente para receber os vídeos feitos por seus colegas que ainda estão nos locais de conflito. "No começo, eram vídeos muito confusos. Mas estamos pouco a pouco conseguindo orientar as pessoas a filmar, explicar o que estão filmando, mostrar relógios com data para garantir a autenticidade", diz.

"Muitos já não mostram apenas as cenas de horrores e mortes", explicou outro ciberativista, que prefere não ter seu nome revelado. "Orientamos as pessoas para que também mostrem como a vida está desesperadora e isso se reflete nas atividades cotidianas, como comprar alimentos."

Para a organização Repórteres Sem Fronteira, pelo menos nove jornalistas já morreram na Síria em mais de 11 meses de manifestações e repressão. Mas isso não tem freado a ofensiva midiática da oposição.

O Estado visitou uma televisão clandestina montada pelos rebeldes, a Syria Al-Shaab (O Povo Sírio). Ela usa uma verdadeira rede de correspondentes dentro do país para mostrar imagens dramáticas da repressão de Assad. Nos estúdios, praticamente todos são voluntários sírios ou simpatizantes da dissidência.

O âncora da TV opositora, Yasser Said Omar, evita dar uma resposta sobre o financiamento da rede, que fica 24 horas no ar e transmite 10 horas de programação ao vivo por dia. "Há muita gente implicada", esquiva-se.

Vizinhos de prédio. O sinal da TV pirata da oposição síria percorre meio mundo antes de ser difundido, na esperança de driblar os controles de autoridades de Damasco. Passa por Tunísia, Jordânia, Kuwait, Londres e finalmente a imagem é transmitida na rede.

Omar admite que o governo jordaniano e de outros países fazem "vista grossa" à pirataria. Coincidência ou não, a tevê "secreta" fica no mesmo edifício de canais sauditas e da famosa Al-Jazeera, do Catar.

Omar diz orgulhosamente que o sinal de sua emissora está sendo difundido dentro da Síria, "na esperança de que famílias vejam o que o governo está fazendo com a sociedade". "Assistir apenas à TV nacional síria é o equivalente a ser desinformado sobre o conflito."

Para ser espectador da TV da oposição, é preciso coragem. "Temos casos confirmados em que famílias inteiras foram executadas pelo regime porque estavam acompanhando nossa programação", afirmou Omar. "Obter informação se transformou em um crime na Síria hoje", disse.

Para o âncora, de origem síria, não resta dúvida: "São as imagens dessa repressão que, no final, farão com que Assad seja derrubado". / J. C.