Título: Desorganizada, força rebelde síria busca estratégia comum
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/02/2012, Internacional, p. A10

Exército de Libertação da Síria é formado por voluntários com pouco treinamento e abastecido com dinheiro do Golfo

Desorganizado, sem treinamento, sem comando claro, mas com muita força de vontade. Esse é o Exército de Libertação Sírio (ELS), uma entidade formada por desertores e voluntários que a cada dia ganha maior número de adeptos, ajuda financeira e armas do exterior. O grupo pena para encontrar uma estratégia coerente na luta contra o regime de Bashar Assad.

O Estado passou cinco dias na companhia de uma das unidades dessa força rebelde, escondida na fronteira com a Jordânia e dedicada a garantir o abastecimento de grupos nas cidades mais atingidas pela ofensiva de Assad. Dos seis homens que comandavam o grupo, apenas um tinha experiência com armas porque havia sido soldado. Os demais jamais haviam disparado um tiro até o início da revolta.

A cúpula da unidade é formada por habitantes de Deraa, cidade onde teve início a onda de distúrbios na Síria. Um dono de uma mercearia, um estudante universitário, dois ex-funcionários públicos e um engenheiro, além do militar da reserva.

Estima-se que os rebeldes já somem cerca de 40 mil homens espalhados pela Síria. Eles têm recebido ajuda financeira e armas do exterior, principalmente dos países do Golfo. Um dos líderes do movimento, Najati Tayara, disse ao Estado que existem até mesmo contatos entre o Exército de Assad e os rebeldes para troca de prisioneiros.

Uma das armas do ELS é o sequestro de forças e aliados de Assad. "Prendemos iranianos que estavam ajudando o regime e os trocamos por alguns de nossos melhores homens", diz Tayara.

O líder dissidente também revelou como um fluxo cada vez maior de dinheiro tem abastecido o movimento. "Grupos de simpatizantes organizam no exterior eventos, festas e coletas que chegam a ser milionárias", disse. Questionado sobre o local dessas coletas, Tayara não esconde o jogo: Doha, Riad e outras cidades do Golfo.

Se a ajuda externa já é uma realidade aos rebeldes, uma operação maior para armar a oposição exigiria uma estrutura que hoje o grupo não tem. Em três meses de atuação, a unidade no sul da Síria manteve apenas um escasso contato direto com o comando do ELS, refugiado na Turquia, e recebeu pouca orientação sobre como lutar. Não é para menos. Mesmo na Turquia, dois grupos reivindicam a liderança do Exército rebelde.

Para completar, o Conselho Nacional Sírio é quem atua como interlocutor nas reuniões diplomáticas com o Ocidente e países árabes. Mas sua cúpula está perto de ser derrubada. Líderes não têm contato com a realidade síria e cisões sectárias e religiosas impedem acordos.

Ao conversar com moradores de Deraa refugiados na fronteira, a percepção é que fazer parte do ESL é muito mais uma declaração de simpatia a um movimento do que uma adesão formal à luta armada. Para fazer parte do grupo, não há qualquer regra. Basta prestar um juramento de que lutará pela "liberdade da Síria".

"Precisamos de engenheiros, técnicos de informática, gente que saiba lidar com dinheiro, com armas. Precisamos de todos", disse um dos líderes da unidade.

Em um hospital da organização Médicos Sem Fronteira, em Amã, os feridos trazidos da Síria também se declaravam parte do movimento. "Em cada família, foi decidido que se sacrificariam até dois filhos para lutar pela queda de Assad", contou Ghaleb, um dos feridos.

No terreno, as unidades do ELS são grupos de defesa de bairros, de famílias ou vilarejos - e não uma força organizada. Passam o dia debatendo como melhor garantir o abastecimento de material aos rebeldes dentro das cidades. De noite, circulam em carros pelas estradas patrulhando a área, sempre com a ajuda de pequenos agricultores que os servem de informantes sobre as manobras do Exército.

As armas têm origem diversas. Além do material que cruza as fronteiras, parte do abastecimento vem do próprio Exército sírio. Após fecharem um acordo com os soldados corruptos, os rebeldes criam um incidente em uma determinada região. A unidade de Damasco faz disparos, sem deixar vítimas, e "esquece" algumas caixas de munição pelo caminho. De volta ao quartel, os soldados fazem um relatório inflando o total de armamento gasto. Por bala, recebem cerca de US$ 2 dos rebeldes.