Título: Sob fogo, sírios votam Carta pró-Assad
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/02/2012, Internacional, p. A10

Oposição boicota referendo sobre Constituição que daria a ditador direito de ficar no poder até 2028; para dissidentes, votação é 'piada'

Em um novo dia de banho de sangue na Síria, a ditadura de Bashar Assad realizou ontem um referendo sobre a adoção de uma nova Constituição - a qual permitira ao presidente permanecer no poder em Damasco até 2028. A votação foi boicotada pela oposição.

Segundo opositores, o cerco à cidade de Homs e ataques em outras regiões da Síria mataram 17 civis ontem. Emboscadas de militantes deixaram ainda 14 soldados de Assad mortos, ampliando temores de que a crise - que já dura quase um ano - descambe de vez para uma guerra civil.

Damasco afirma que a consulta popular abrirá as portas a um sistema multipartidário e democrático. Eleições seriam convocadas dentro de três meses. Rússia e China indicaram apoiar, em princípio, a iniciativa do presidente sírio. Moscou e Pequim vetaram no mês passado uma condenação no âmbito do Conselho de Segurança das Nações Unidas ao regime sírio.

Opositores sírios e países ocidentais e árabes acusam Assad de usar a consulta para dar sobrevida ao regime e ganhar tempo para massacrar focos de resistência. "Devo votar para que? Se serei morto por bombas ou por tiros? Essa está sendo nossa única escolha", afirmou Waleed Fares, ativista de Homs, cidade sitiada por forças de Damasco há mais de três semanas. A oposição síria afirma que Assad viola abertamente a Carta em vigor, que proíbe a tortura e garante o direito à livre expressão. Para o Observatório de Direitos Humanos da Síria, com sede em Londres, o referendo é uma "piada".

O resultado da votação promovida pelo governo sírio deve ser divulgado hoje. Questionado sobre a campanha de boicote à consulta popular, o primeiro-ministro sírio, Adel Safar, acusou a oposição de servir a interesses de grandes potências. Assad, porém, quer promover a "democracia e liberdade" no país, completou o premiê.

"Existem alguns grupos que têm uma agenda ocidental, estrangeira, e não querem reformas na Síria. Eles querem impedir nossa determinação", disse Safar. "Não estamos preocupados com isso. Nos concentramos em espalhar a democracia e a liberdade no nosso país."

O governo sírio preparou cerca de 13 mil urnas e esperava o comparecimento de mais de 14 milhões de eleitores. Os locais de votação abriram às 7 horas e deveriam funcionar por 12 horas. A TV estatal síria mostrava filas de pessoas aguardando calmamente para depositar a cédula na urna. Assad, sorridente, foi filmado votando.

Alerta. Sem conseguir uma condenação a Assad na ONU, potências ocidentais e países árabes adotaram sanções unilaterais e agora estudam novas medidas - entre elas, armar a oposição. Muitos analistas temem que o influxo de armamentos coloque definitivamente a Síria em guerra civil.

Em visita ao Marrocos, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, voltou a alertar para os perigos de uma intervenção externa. "Acho que há todas as possibilidades para uma guerra civil (na Síria). Uma intervenção externa não impediria, mas facilitaria isso", disse Hillary à rede BBC. A secretária de Estado pediu ainda "àqueles que apoiam o regime sírio" - referência indireta à Rússia e China - que convençam Assad a permitir a chegada de ajuda humanitária. / REUTERS