Título: A Grécia deveria passar um período afastada do euro
Autor: Sauga, Michael
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/02/2012, Economia, p. B7

Para economista, país ficaria na União Europeia mas deixaria a zona do euro e reintroduziria a dracma até se recuperar

O economista americano Kenneth Rogoff acredita que ter trazido para a zona do euro todos os países do sul da Europa foi um erro. Para Rogoff, deveria ser garantido à Grécia um período "sabático" do euro. Ele também acredita que a formação de um Estados Unidos da Europa está mais perto do que muitos possam imaginar.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida às vésperas da aprovação do novo pacote de ajuda de 130 bilhões para a Grécia.

Sr. Rogoff, ministros das Finanças da zona do euro provavelmente vão conceder novos empréstimos à Grécia num total de 130 bilhões, com o objetivo de estabilizar o país para os próximos anos. Isso salvará o euro?

Dificilmente será a palavra final, mesmo para a Grécia. A montanha de dívida da Grécia é simplesmente grande demais e o país não é competitivo. Aliás, vai ser muito difícil manter a Grécia na zona do euro.

Mas o governo anunciou medidas de austeridade, com corte de pensões e congelamento de salários. Quase não se ouve falar desse tipo de medidas na Europa.

Mas elas ainda não são suficientes. Para tornar a Grécia competitiva, os salários teriam de ser cortados pela metade. Isso é impossível de implementar politicamente, mas sem um corte abrupto dos salários, a economia continuará estagnada. A Grécia precisa com urgência de uma perspectiva de crescimento. Ela está experimentando agora seu quinto ano consecutivo de recessão. É um fracasso de dimensões históricas.

Mas as coisas podem piorar? Muitos economistas estão dizendo que a crise na Grécia chegou ao fundo e o pior já passou.

Eu seria mais cauteloso. O problema na Grécia não é uma recessão ordinária, mas uma crise financeira completa, algo de que países em geral levam muito mais tempo para se recuperar. Esse tipo de colapso econômico vai muito mais fundo que uma retração normal. Quanto mais tempo a economia continuar encolhendo, mais inquietos os sindicatos ficarão, e mais pressão se acumulará sobre os políticos para dar fim à miséria.

Que tratamento o sr. prescreveria?

O governo deveria receber uma espécie de período sabático do euro, ao mesmo tempo em que permanece como membro pleno da União Europeia. O país sairia da união monetária e reintroduziria a dracma. A moeda seria negociada de imediato com grande desconto em relação ao euro, renovando a competitividade dos setores de exportação e turismo. Quando o país tiver atingido um nível mais alto de desenvolvimento social, político e econômico, poderá voltar à zona do euro.

A maioria dos políticos europeus parece descartar isso, e vê a saída grega como início do fim da zona do euro.

Eu não vejo assim. Claro, a Europa teria de garantir à Grécia que ela não será punida de nenhuma maneira por dar esse passo. E deveria haver um mapa da estrada crível para um eventual retorno da Grécia.

Se a Grécia sair da zona do euro, uma onda de pânico poderia engolfar outros países com problemas de dívida, como Portugal. Como impedir o contágio?

Se a Grécia sair do euro, os mercados pedirão respostas sensatas a duas perguntas. Primeiro: que países deveriam definitivamente manter o euro? E segundo: que preço a Europa está preparada para pagar por isso? O problema é que os europeus não têm respostas convincentes para essas perguntas.

Que conselho o sr. daria a Angela Merkel e seus colegas? Deveriam desfazer a zona do euro?

Não, certamente não. Estamos falando de dobrar, não de quebrar, com um ou mais países da periferia autorizados a sair temporariamente para ter mais flexibilidade. Hoje não há nenhuma solução simples para essa crise. Os grandes erros foram cometidos nos anos 1990.

Isso significa que a ideia toda do euro foi um erro?

Não, uma moeda comum para países como Alemanha e França era um risco razoável, tendo em vista os dividendos políticos, Mas é um grave erro trazer todos os Estados europeus meridionais para a zona do euro puramente por razões de união política. A maioria não estava pronta em termos econômicos.

Pode ser, mas o fato é que agora eles fazem parte da união monetária, e esta simplesmente não pode ser desmontada.

É por isso que só há uma alternativa: ou o euro desmorona completamente - com todas as consequências catastróficas - ou os membros centrais da união monetária conseguem transformar a zona do euro numa genuína união política.

A Europa acertou há pouco um pacto fiscal comprometendo todos os membros com uma melhor disciplina orçamentária. Foi um passo na direção certa?

Foi, mas não será de maneira nenhuma suficiente. Tudo que esse tratado faz é dar aos mercados a ilusão temporária de que os problemas foram resolvidos por enquanto. Ele não conseguiu nada mais do que isso.

O que é preciso em vez disso?

A união monetária precisa de um governo central, incluindo um ministro das Finanças com autoridade sobre tributos e gastos. Os países também deveriam parar de insistir no controle nacional da regulamentação bancária. A questão deve ser tratada apenas em nível europeu.

A opinião popular na maioria dos Estados-membros é que a Europa tem poder demais, não de menos.

A Europa está num estágio intermediário, muito parecido ao da América em fins do século 18. A ratificação da Constituição americana de 1788 foi precedida por 12 anos de uma confederação frouxa. A Europa está em situação semelhante hoje. Os Estados são como pessoas, é difícil sustentar um meio casamento estável; ou você entra com tudo ou esquece.

Que reformas os governos precisam implementar?

Os salários no sul da Europa subiram muito nos últimos anos, mas esses países em geral produzem bens relativamente simples, como têxteis. Eles já não são competitivos num contexto global, e isso explica por que a produção se deslocou para a Ásia. A Alemanha, ao contrário, tem um setor industrial inovador cujos produtos de alta qualidade são muito procurados em economias emergentes. É por isso que a Alemanha tem sido a vencedora no processo de globalização, enquanto Portugal, Espanha, Itália e outros estão entre os perdedores. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK