Título: BCE injeta 529 bi em bancos europeus para estimular crédito e conter recessão
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2012, Economia, p. B1

Temor de analistas é que esse dinheiro seja levado para mercados emergentes, ampliando a pressão sobre o real e outras moedas

O Banco Central Europeu (BCE) fez ontem a maior injeção de recursos de sua história, inundando 800 bancos do continente com 529 bilhões, na esperança de incentivar o crédito, reduzir o risco país de Espanha e Itália e conter a recessão. Em pouco mais de dois meses, os empréstimos aos bancos totalizaram 1 trilhão.

Mas, na primeira tentativa em dezembro, autoridades constataram que os bancos europeus usaram parte dos recursos apenas para criar colchões de proteção e não aumentaram os empréstimos nos mercados. Há ainda quem alerte que o dinheiro pode acabar nos mercados emergentes, colocando ainda mais pressão sobre o real e outras moedas.

O que a infusão obteve realmente foi a redução dos spreads sobre as dívidas da Espanha e da Itália. A UE não disfarça que fará o que for necessário para evitar um colapso dessas duas economias, o que colocaria em risco a própria moeda europeia. Bancos usaram os créditos para comprar justamente papéis das dívidas espanhola e italiana.

Uma nova queda no risco país daria mais oxigênio aos governos de Mariano Rajoy e Mario Monti para captar recursos no mercado, enquanto ajustam suas contas com medidas de austeridade. Só Monti precisa vender por mês 45 bilhões em títulos da dívida até abril.

Desde a primeira injeção, em 21 de dezembro, os bancos de ambos os países aumentaram as compras de papéis do Tesouro em 29% e 13%, respectivamente. Só os espanhóis gastaram mais de 23 bilhões na compra de títulos da dívida pública em janeiro.

Ontem, bancos espanhóis teriam coletado mais 120 bilhões do BCE, ante mais de 130 bilhões pelos italianos. Com isso, o risco país de ambos voltou a cair. "Títulos espanhóis e italianos devem ser os mais beneficiados, assim como o mercado de ações", declarou o UniCredit.

Monti não disfarçava o otimismo, apontando que não acreditava que a taxa de risco voltaria a subir. "Vemos uma queda gradual", disse o premiê italiano.

Consumo. A esperança declarada da UE é que esse dinheiro chegue a empresas e famílias para que invistam e para que o consumo volte a crescer. Para isso, bancos terão de colocar esse dinheiro à disposição. Nas semanas que se seguiram à quebra do Lehman Brothers, um dos principais fatores que levaram a economia mundial ao colapso foi a recusa de bancos a emprestar.

Agora, o temor é de que, sem uma volta do consumo e de investimentos, a contração na economia seja ainda mais profunda, aumentando o desemprego. Essa mesma recessão faria desabar a arrecadação, tornando a tarefa de reduzir o déficit mais difícil. Para 2012, a previsão é de contração de 0,3% na zona do euro.

O que deixou as autoridades entusiasmadas foi o fato que o número de bancos que pediram empréstimo cresceu em relação a 21 de dezembro, quando 523 bancos usaram os 489 bilhões oferecidos pelo BCE. Ontem, os 800 bancos apelaram aos fundos depois que o presidente do BCE, Mario Draghi, deixou claro que pedir empréstimos não criaria um estigma para os bancos nem seria um sinal de fraqueza.

Incentivados pelo valor da oferta e pelas perspectivas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) americano, as bolsas europeias reagiram positivamente. A injeção foi considerada um sinal da UE de que as autoridades estão determinadas a evitar um colapso das instituições financeiras, mesmo diante dos problemas da dívida ainda enfrentados por Grécia, Portugal, Irlanda e outros países.