Título: Potencial do PIB está mais para 4% do que 4,5%
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/03/2012, Economia, p. B4

Para economista, governo precisa agir para melhorar a eficiência do País e, com isso, abrir espaço para uma expansão mais forte

O desempenho modesto da economia brasileira no primeiro ano de Dilma Rousseff na presidência deve servir de alerta ao governo, segundo o ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore. Para ele, a ausência de reformas econômicas nos últimos anos reduziu o chamado Produto Interno Bruto (PIB) potencial do País.

Ainda que não seja aceita por todos os economistas, essa medida revela quanto um país pode crescer com inflação controlada. "Notamos que o PIB potencial, que estava andando na faixa dos 4,5%, passou para algo como 4,1% no último trimestre (de 2011)", afirmou. "Não digo que já esteja em 4%, mas, se o governo não induzir um pouco de melhoria na eficiência da economia, chegará por aí."

Por melhora da eficiência, entenda-se, em resumo, reformas - as "velhas reformas macroeconômicas", como diz Pastore. Para ele, se nada for feito, a média de crescimento dos anos Dilma deverá ser inferior à dos anos Lula (4,1% ao ano). A seguir, os principais trechos da entrevista.

O crescimento em 2011 foi relativamente fraco. Mas a taxa de desemprego está em níveis historicamente baixos. Como explicar essa aparente contradição?

Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que não estamos falando em recessão, mas de desaceleração do crescimento econômico. Saímos de 7,5% para 2,7%. Mas continuamos absorvendo mão de obra, só que numa velocidade inferior. Além disso, temos visto um ganho real dos salários nos últimos anos. Ainda que se tenha tido um crescimento de apenas 2,7%, a sensação na sociedade não é proporcional a essa desaceleração. (A sensação) é de uma economia que ainda provoca grande satisfação para os consumidores (vide a expansão do consumo nos últimos anos) e para as pessoas empregadas.

A indústria cresceu só 1,6%. O desempenho do setor é conjuntural ou estrutural?

Não é algo pontual, é mais complicado. O PIB do setor de serviços, incluindo o governo, é 67,5% do PIB do País. O da indústria representa algo entre 27% e 28%. O setor de serviços praticamente não exporta e importa muito pouco. A indústria, de outro lado, é muito aberta. Em 2009, as importações líquidas equivaliam a 1% do PIB. Em 2011, fomos para 6,5%. Esse crescimento se deu basicamente na indústria. A agricultura se livrou porque é exportadora líquida. A indústria sofre dois fenômenos: a valorização do câmbio, que resulta da conjuntura internacional, e os preços dos produtos manufaturados em queda no mundo, em decorrência da crise nos países desenvolvidos. Ou seja, enfrenta preços de exportações e importações estáveis, ao mesmo tempo em que o câmbio se valoriza. Isso impede que os aumentos de custos sejam repassados para os preços. Além disso, o custo unitário da mão de obra vem crescendo exponencialmente. O resumo é que a indústria está sofrendo uma redução de margem. Não acho que esse quadro mudará tão cedo. O crescimento da indústria tende, portanto, a ser um pouco mais lento. O que nos salva é que temos um mercado interno muito grande. Nos próximos trimestres, vamos ver a produção industrial reagir um pouco, graças à demanda interna em expansão. Não é um quadro de estagnação sem solução. Mas impõe uma dificuldade para o crescimento do setor.

O cenário de crescimento menor da indústria e maior participação dos serviços no PIB é ruim para a economia brasileira?

Não há país que cresça que mantenha a indústria constante no PIB. Há diversificações ao longo do caminho. A demanda por produtos do setor de serviços é mais elástica do que na indústria. Ou seja, a tendência natural é cair a participação da indústria no PIB. Portanto, um pedaço desse ajuste teria de acontecer de qualquer forma. Mas vem ocorrendo um fenômeno de redução do incentivo para a indústria, algo que, diga-se, pode mudar a qualquer momento. Parte se explica pela valorização do real nos últimos anos, em razão da política fiscal mais séria. O Brasil já deveria ter se adaptado a uma economia com moeda um pouco mais forte, como a Alemanha se adaptou. Deveríamos ter feito reformas nas áreas trabalhista, tributária.... O problema é que não fizemos. Uma forma de sobreviver à conjuntura é intervir no mercado de câmbio até colocar a cotação onde o governo achar que é justo. O problema é que, se isso for feito, a desinflação que temos hoje, que permite a queda dos juros, vai virar inflação. Ou seja, há um dilema. Quanto mais o governo olhar para a produção industrial em queda e tentar segurar no câmbio, menos espaço terá para reduzir o juro. É uma opção dura que a presidente Dilma Rousseff terá de tomar. São dilemas de política econômica complexos.

O que o sr. prevê para o PIB de 2012?

Estamos mais para 3,5% de crescimento. Tenho dúvida sobre a indústria. Embora, como já disse, acredite que vá crescer. Mas, no geral, acho difícil passar de 3,5%. A presidente Dilma teve um crescimento de 2,7% no primeiro ano de governo, deve ter 3,5% no segundo e algo como 4% ou 4,5% no terceiro. De qualquer forma, é preciso ficar claro que 4,5% é sonho.

Isso significa que o crescimento potencial do Brasil está abaixo de 4,5%?

Muitos economistas criticam esse conceito, mas não é porque é difícil medir que se deva jogá-lo fora. Olhando os números da economia, vemos que a produtividade tem crescimento cadente. Tivemos uma pequena redução da taxa de investimentos (Formação Bruta de Capital Fixo) no último trimestre. Com tudo isso, notamos que o PIB potencial, que estava andando na faixa dos 4,5%, passou para algo como 4,1% no último trimestre. Infelizmente, está ocorrendo uma redução dessa medida. Nosso crescimento potencial está chegando mais perto dos 4% do que dos 4,5%. Não digo que já esteja em 4%, mas, se o governo não induzir um pouco de melhoria na eficiência da economia, chegará por aí. Por exemplo, melhorar a qualidade da política fiscal, para poder reduzir a tributação, tirar distorções do mercado de mão de obra, enfim, fazer as velhas reformas macroeconômicas. Essas reformas são importantes e prova disso é que conseguimos levar o PIB potencial para a casa dos 4,5%. Tivemos no governo um (Antonio) Palocci e um Marcos Lisboa (ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda) que resolveram meter a mão nas reformas microeconômicas. Além disso, aquele governo foi precedido por outro que também fez reformas. A soma dos dois produziu avanços que permitiram elevar o PIB potencial. De lá para cá, voltamos ao marasmo: "Somos todos keynesianos, fazemos política fiscal contracíclica, a taxa de juros neutra caiu..." Entramos em uma fase na qual passamos a olhar só para uma coisa: o equilíbrio macroeconômico de oferta e procura. Esquecemos aquilo que, no fundo, gera eficiência e crescimento maior de produtividade. O quadro, hoje, é meio chato.

Com base nesse diagnóstico, e considerando tudo o mais constante, o crescimento médio nos anos Dilma será inferior à média dos anos Lula?

Não gostaria de fazer essa aposta. Mas, se fizesse, acho que teria grandes chances de ganhar.

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