Título: Disputa por royalties pune as ações da Vale
Autor: Tereza, Irany ; Ciarelli, Mônica
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/03/2012, Economia, p. B16

Para diretor de finanças da mineradora, discussão com DNPM sobre multa de R$ 4,5 bi prejudica a empresa na Bolsa

A Vale trava uma disputa judicial com o governo em torno da cobrança de uma multa que pode superar R$ 4,5 bilhões. Em discussão, o valor da cobrança dos royalties pela mineradora. A indefinição sobre o assunto "pune" as ações da empresa, reconhece o diretor de finanças da Vale, Tito Martins. Ele revela, também, que a companhia pode abandonar o projeto gigante de Simandou, caso o governo de Guiné não modifique o projeto de cobrança de royalties. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado na última quarta-feira:

O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) postergou por 60 dias a decisão sobre uma dívida de R$ 4,5 bilhões referente à cobrança de royalties. O acordo demora?

Boa pergunta. Acho que a postergação não interessa a ninguém. Para nós, porque os investidores e a mídia perguntam recorrentemente. Para o próprio DNPM também é desconfortável. A mensagem importante é que as duas partes estão trabalhando juntas. A postergação não significa que as negociações não estejam indo bem. Pelo contrário. Estão indo bem e, por isso, a gente pretende chegar a um bom termo logo.

Essa discussão pode levar o investidor a "punir" as ações da Vale?

Pune. Acho que não podemos esconder isso. Toda vez que surge qualquer questão com potencial de afetar os aspectos econômicos de uma empresa, há uma natural retração por parte do investidor. O quanto, eu não sei. Mas afeta. Qualquer sinalização, mesmo que pequena, de instabilidade nos números, o investidor se retrai. Não só isso, como aquela questão do lucro no exterior.

O senhor está falando daquela discussão na Justiça sobre uma dívida da companhia com a União que pode chegar a R$ 25 bilhões. A Vale fez alguma provisão para isso?

Não temos nada provisionado. Até porque não consideramos como um risco. É uma coisa possível, mas não provável. Está só em nota explicativa (no balanço). Uma coisa é gerar resultado no exterior em países onde existe acordo de tributação com o Brasil. (A Vale) não distribuiu esses resultados. A Vale Brasil não recebeu, então ela não tem nem o objeto do recurso e a companhia é tributada em cima desse resultado, em um país onde existe acordo com o Brasil. Ou seja, não deveria nem ser tributado, mesmo com a remessa. Tem uma disparidade no mundo real vis-à-vis o que a receita está pretendendo nos tributar. Não bate.

Como anda o projeto de mineração da Vale na Guiné (África), após o governo impor novas condições regulatórias ao setor?

Simandou é um projeto ainda em fase de engenharia. Tínhamos de cumprir algumas etapas de avaliação. Nós entregamos esses relatórios ao governo no fim do ano passado, e estamos aguardando uma posição do governo baseada no que apresentamos. Existe, em paralelo, uma questão tributária. O governo, nesse meio tempo, veio com um novo royalty que inviabiliza qualquer projeto mineral lá. Sabemos disso porque todas as mineradoras estão mantendo conversações com o governo para dizer que o royalty inviabilizará qualquer projeto.

E se não mudarem o padrão?

A alternativa que nós temos é não fazer o projeto. Desenvolver e ampliar outros projetos no Brasil. A qualidade do minério lá é muito boa. Mas, se você não tem a alternativa a desenvolver, vai procurar outra alternativa. Há dois minérios de excelente qualidade no mundo: Carajás e Simandou. O resto, mesmo nos nossos sistemas Sul e Sudeste, não tem qualidade tão boa. A única alternativa é aumentar a produção de Carajás e de outras frentes.

Isso não pode atrapalhar a meta de chegar a 450 milhões de toneladas em 2014?

O que está acontecendo é o seguinte: havia, até o ano passado, metas específicas de volume de produção. Pelo critério que passamos a adotar nesse novo orçamento de 2012, eliminamos esse conceito de declarar que queremos estar em tal tonelagem, dentro do processo de ser mais transparente com o mercado. Falamos, por exemplo, em chegar a 1 milhão de toneladas de cobre em 2015. Não vamos chegar, porque os nossos projetos sofreram um atraso por uma série de razões, a maioria externa. Todo mundo está atrasado. O mercado está altamente competitivo. Está bombando. Ninguém está conseguindo cumprir. Projetos que costumavam ser feitos em 36 meses, hoje estão sendo executados em 50 meses, por exemplo. (...) Estamos sendo muito mais pragmáticos com respeito às quantidades.