Título: O BC e a Fazenda de mãos dadas
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2012, Notas e informações, p. A3

Reativar a economia é hoje a meta mais importante do Banco Central (BC), como evidenciou o novo corte de juros decidido pelo Comitê de Política Monetária (Copom). As prioridades do BC e do Ministério da Fazenda estão mais alinhadas do que em qualquer outro momento a partir de 2006, quando o ministro da Fazenda Antonio Palocci deixou o posto para o economista Guido Mantega. A redução de 0,75 ponto porcentual da taxa Selic, maior que a prevista pela maior parte do mercado financeiro, indica um novo sentido de urgência na estratégia adotada a partir de agosto, quando os cortes começaram. Pode-se entender a decisão do Copom como reação natural às más notícias acumuladas na terça e na quarta-feira - crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de apenas 2,7% em novembro e recuo de 2,1% na produção industrial em janeiro. Além disso, têm surgido sinais de acomodação dos preços. Essa calmaria pode ser temporária, mas contribui, neste momento, para justificar a linha de ação escolhida há sete meses pela maioria dos membros do Copom. Mas tudo isso é apenas parte de uma história politicamente mais complexa.

O BC havia estimado no fim do ano um crescimento econômico de 3% em 2011, numa avaliação mais pessimista que a do Ministério da Fazenda. Mas o número divulgado pelo IBGE na última terça-feira não chegou a ser grande surpresa, até porque ficou muito próximo dos cálculos correntes no mercado financeiro. Por isso e por outras razões, não havia dúvida sobre a orientação da política monetária neste começo de ano: os juros continuariam em queda. A única novidade foi o tamanho do corte, de 0,75 ponto. Dirigentes do BC reiteraram mais de uma vez, desde o fim do ano, a previsão de pressões inflacionárias mais brandas em 2012, combinadas com o agravamento da crise europeia. Além disso, nunca puseram em dúvida, publicamente, a disposição do governo de alcançar a meta fiscal traçada para o ano.

A sequência dos fatos indica, no entanto, muito mais que uma mera coincidência entre as opiniões e projeções de dois grupos de especialistas e de altos funcionários federais. Há um evidente acordo de cooperação entre o BC e a Fazenda, estimulado pelo Palácio do Planalto. Esse esforço é positivo, em princípio, mas pode tornar-se perigoso, se a autoridade monetária deixar em segundo plano o cuidado com a estabilidade de preços.

A decisão do Copom de apressar a redução dos juros pode contribuir para um crescimento econômico maior dentro de alguns meses. Mas pode servir também para deter a valorização do real, desestimulando a especulação com dólares no mercado brasileiro. É cedo para prever o efeito, até porque se esperam novos cortes da taxa básica de juros. Não há dúvida, no entanto, quanto a esse ponto: a ação do Copom foi ditada por dois objetivos - facilitar a reativação dos negócios e combater a valorização do real. É um complemento, portanto, das medidas tomadas pelo Ministério da Fazenda. A mais recente foi a extensão da alíquota de 6% do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) aos empréstimos em moeda estrangeira com prazo de até três anos.

As autoridades planejam novas ações para reativar a economia e para conter as chamadas operações de arbitragem - aplicação no Brasil, a juros altos, de recursos externos obtidos a custo muito mais baixo. O ministro da Fazenda tem falado sobre a redução dos encargos trabalhistas de vários setores. Esse benefício foi concedido em 2011 a quatro segmentos da indústria. Tem-se falado também no uso de bancos oficiais para empréstimos mais baratos ao setor privado.

O BC, tudo indica, está perfeitamente enquadrado nessa estratégia de promoção do crescimento e de combate à valorização cambial. A presidente Dilma Rousseff tem dado muita importância ao problema do câmbio, agravado pela inundação de moeda estrangeira.

Mas o BC assumirá sérios riscos, se o corte de juros não for acompanhado de uma política fiscal mais austera. Por enquanto, há apenas uma promessa de austeridade. Os dirigentes do BC mostram confiança nessa promessa, embora a experiência aconselhe uma atitude muito mais prudente.