Título: A Grécia terá de passar por longa regeneração
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2012, Economia, p. B9

Para Wolff, reestruturação foi bem-sucedida e resolve a crise imediata, mas não soluciona problemas estruturais

As bolsas de valores subiam ontem em todos os principais mercados financeiros da Europa, num sinal de otimismo com o sucesso do programa de reestruturação da dívida da Grécia.

Esse é o paradoxo da situação do maior bloco econômico do mundo hoje: uma operação de "calote voluntário" acabou sendo bem recebida pelos investidores internacionais, que preferiram a reestruturação à incerteza que pesava até aqui sobre a capacidade de Atenas honrar o pagamento da dívida com os credores privados, avaliada em € 206 bilhões.

O otimismo, entretanto, não deve durar muito, a julgar pela interpretação de economistas como o alemão Guntram Wolff. Para ele, a Grécia terá de passar por um longo processo de regeneração que incluirá no futuro mais haircuts (descontos), com mais sacrifício do setor privado. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado, por telefone, de Bruxelas.

O sr. acredita que o programa de reestruturação da dívida da Grécia vai funcionar? Nessa semana as autoridades ameaçaram os investidores com um calote desordenado.

Eu acredito que vai funcionar, sim. As coisas estão andando em um bom sentido. Creio que teremos de fato uma participação em torno de 80%. É o que vem sendo especulado, e ao que tudo indica a Grécia vai conseguir alcançar essa meta.

O sr. acredita que a reestruturação das dívidas na Grécia encerra o assunto? Portugal, por exemplo, não corre o risco de ser atingido?

Mesmo que consigamos resolver o caso grego neste momento, me parece claro que a Grécia terá de passar por um longo processo de regeneração que incluirá no futuro mais descontos, com mais sacrifício privado. Quanto a Portugal, há uma enorme reforma pela frente. O governo está envolvido, realmente implicado. Mas eu duvido que eles consigam retornar ao mercado no prazo previsto - até o fim do ano, se não estou enganado. Temo que será necessário um novo pacote de socorro cedo ou tarde também para resgatar a economia de Portugal.

Qual foi o papel das intervenções do Banco Central Europeu (BCE), que injetou € 1 trilhão no sistema financeiro desde dezembro?

As medidas adotadas pelo Banco Central Europeu fizeram toda ou quase toda a diferença para os mercados financeiros. É claro que a nova atitude do BCE, somada à mudança de governo na Itália, com a entrada de Mario Monti, mudou a atitude dos investidores. Mas as medidas adotadas pelo BCE, embora estejam no centro das discussões, não são tudo. Não se pode imaginar que sua intervenção não tenha limites.

Que lições a Europa deve tirar da reestruturação da dívida da Grécia, um fato inédito na história da zona do euro e raro no continente?

O essencial dessa reestruturação na Grécia é que usamos muito mais dinheiro do que o problema que tínhamos exigia. O grande problema é na realidade a crise de confiança na Europa em si. O que precisamos é uma discussão muito maior, sobre que tipo de união devemos ter, que tipo de política fiscal integrada devemos ter. Não temos o mesmo nível de integração política de uma federação na União Europeia. Há uma discussão crescente sobre quanto mais soberania precisa ser partilhada pelos Estados nacionais e enviada para Bruxelas.

Observando de Bruxelas, o sr. acredita que os europeus estejam prontos a partilhar mais soberania?

Na verdade é mais do que partilhar, é transferir soberania. Seriam necessárias autoridades fiscais e de supervisão típicas de uma federação. Basicamente o que será necessário são autoridades de supervisão fiscal e bancária coletivas, e que tenham acesso a recursos coletivos. Se você quer preservar a integridade das finanças da Europa, será preciso passar por essas reformas. Será lento, doloroso.

E o sr. crê que a Europa está pronta a dar esse passo?

Várias mentes brilhantes estão pensando nessas reformas na Europa. Mas é uma mudança fundamental enorme, que tomará muito tempo, porque não será feita apenas por uma elite. Será preciso trazer a população, o cidadão comum. O lado bom é que se trata de um processo já em curso. Os europeus já passaram a discutir a política de outros países, as reformas do mercado de trabalho na Espanha, a austeridade na Alemanha. As pessoas estão realmente começando a pensar sobre esses assuntos. Está ficando grande. Estamos em movimento.

O sr. está otimista com a perspectiva de sucesso na reestruturação da dívida na Grécia?

Não é uma pergunta fácil. Estou um pouco mais otimista do que estava antes do Natal, por exemplo. Há várias discussões que estavam embaixo dos tapetes e que agora são encaradas.