Título: Um calote salvador
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/03/2012, Notas e informações, p. A3

Garantido o acordo com os credores, o governo grego pode ter cumprido a última etapa da maratona - via-sacra talvez seja uma comparação mais realista - para receber novo pacote de auxílio da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ministros de Finanças da zona do euro devem discutir na segunda-feira como será o desembolso desse dinheiro e das parcelas finais do primeiro pacote. O valor total do novo financiamento, conhecido há meses, será de 130 bilhões. Será uma ajuda considerável, mas insuficiente para resolver o problema da Grécia, se o país depender apenas de um fortíssimo aperto de cinto para ajustar suas finanças.

A Grécia precisa de medidas para crescimento, disse na sexta-feira o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz. Isso facilitaria a redução do peso da dívida e ao mesmo tempo daria esperança, acrescentou, a um povo oprimido pelo desemprego e pelo empobrecimento. Foi um comentário sensato, mas fora do padrão dominante entre os políticos da Alemanha, a maior potência europeia e principal coordenadora dos esforços de ajuste na zona do euro.

A devastação da economia grega tem superado as estimativas mais pessimistas. No quarto trimestre do ano passado, o Produto Interno Bruto (PIB) do país foi 7,5% menor que o de um ano antes. A avaliação anterior havia indicado uma redução de 7%. O desemprego aumentou de 18,2% em outubro para 21% em dezembro, quando a média na zona do euro chegou a 10,6%. Essa recessão brutal tem prejudicado o recolhimento de impostos, tornando mais difícil e penoso o ajuste das contas públicas.

Se a contração econômica se prolongar, o esforço de correção do orçamento poderá fracassar, porque a mera redução dos gastos será insuficiente. A permanência da Grécia na união monetária pode ser um objetivo importante para o país e também para os demais membros da zona do euro, mas é também uma limitação importante para o esforço de estabilização. O uso da moeda comum veda aos gregos o benefício de uma desvalorização cambial e, portanto, de um aumento de exportações.

Sem flexibilidade do câmbio, só uma fortíssima redução de salários e de outros custos pode proporcionar algum ganho de competitividade. Seria justo os líderes europeus pensarem mais sobre isso. É de seu interesse preservar a união monetária e evitar o calote selvagem.

De toda forma, o acordo com a maioria dos credores privados é a primeira ação eficiente para a redução da dívida. O governo anunciou ter recebido resposta positiva de detentores de papéis no valor de 172 bilhões. Desse total, 152 bilhões foram emitidos sob a legislação grega. Isso corresponde a 85,8% dessa parte da dívida. Os outros 20 bilhões foram postos no mercado sob condições definidas por leis estrangeiras. Com o acordo já alcançado, o governo tem condições de forçar os demais detentores de títulos negociados sob leis gregas a aceitar os termos do refinanciamento. Para isso, acionará as chamadas cláusulas de ação coletiva. O resultado será um corte estimado em 53% do valor de face dos papéis, reduzindo a menos da metade o débito de 206 bilhões. Mas como haverá uma diminuição dos juros sobre o saldo, o abatimento final corresponderá a mais de 70% da dívida com o setor privado.

O acordo alcançado até quinta-feira e anunciado oficialmente no dia seguinte foi saudado com0 um êxito pelo Instituto de Finanças Internacionais, principal porta-voz das grandes organizações financeiras de todo o mundo e, portanto, dos maiores credores da Grécia. Autoridades europeias também celebraram o entendimento do governo grego com os credores, considerado um passo essencial, embora insuficiente, para a solução da crise financeira da Grécia.

Já na sexta-feira a agência Fitch de classificação de risco anunciou um novo rebaixamento da dívida grega, porque o acordo, afinal, caracteriza um calote. Todos sabiam disso e, mais uma vez, ninguém será beneficiado pela intervenção de uma agência desse tipo. O fato importante, obviamente, é muito positivo: conseguiu-se evitar o calote desorganizado, o evento mais temido e mais perigoso para a zona do euro e para os bancos.