Título: Medidas adotadas a conta-gotas não resolvem o problema
Autor: Otta, Lu Aiko
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/03/2012, Economia, p. B3

Para o presidente da CNI, o governo tem o diagnóstico correto, mas precisa ser mais rápido e mais ousado

O Ministério da Fazenda tem errado na adoção de medidas para conter a desindustrialização, avaliou o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade. Embora estejam na direção correta, elas têm sido adotadas "a conta-gotas", o que não resolve o problema e obriga o governo a agir novamente mais adiante. Nesse processo lento e gradualista, que ele classificou de angustiante, empresas se perdem. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O País corre mesmo o risco de ficar sem indústria, como disse o ministro Guido Mantega?

Risco há, porque vamos perdendo a capacidade de competir e de produzir. Alguns anos atrás, a indústria brasileira de transformação respondia por 26% do PIB. No início de 2011, havia caído para 16%. Agora, estamos em 14,6%. Isso é preocupante. Há setores fechando, paralisando suas atividades.

Por exemplo?

Há pouco eu falava com o presidente da Federação das Indústrias de Alagoas. O Estado, que já foi polo importante do setor têxtil, hoje tem duas fábricas pequenas. Na indústria automobilística, a importação de autopeças é cada vez maior. Multinacionais trazem produtos da matriz em vez de fabricar aqui. Essas coisas vão fazendo a desindustrialização.

A atuação do governo tem sido suficiente?

Acho que o governo tem o diagnóstico correto, mas precisa ser mais ousado. E mais rápido. Veja a questão da taxa cambial. Há tempos dizemos que ela favorece a importação, dificulta a competitividade, traz problemas às contas externas. E aí se tomam medidas que não são muito vigorosas. O governo quer ver o impacto primeiro. Aí, não dão o impacto necessário e tem de tomar outras medidas. Essa dosagem a conta-gotas não resolve o problema. Se nós, há uns anos, tivéssemos colocado medidas mais duras em relação à entrada de recursos estrangeiros, talvez agora não estivéssemos na situação em que estamos.

A indústria estaria quebrada se o governo não tivesse agido, como disse o ministro?

Realmente, o câmbio estaria muito pior do que hoje. Temos um câmbio a R$ 1,80, talvez estivesse abaixo de R$ 1,50. Isso é verdade. Mas, para ele chegar a R$ 1,80, foi a duras penas. Já perdemos muita coisa para chegar a esse ponto. É isso que angustia no setor empresarial.

Como ser mais ousado no tratamento do câmbio?

Tem recursos que entram no País para investimento. Mas, enquanto não estão no investimento, ficam na conta especulativa. E, se no fim das contas o dinheiro não for para o investimento, ninguém está preocupado. Então, vamos tributar todos os recursos que entram no Brasil. E para aqueles que forem para investimento, comprovadamente, ressarcimos o tributo. Fazemos o contrário.

E em outras áreas? Como falta ousadia?

Outra coisa é a desoneração da mão de obra. Não acho que desonerar a mão de obra e substituir com outro imposto vá resolver a situação. Mesmo que seja gradativamente, o ideal seria desonerar sem substituir.

Falta ao governo um plano mais estruturado para atacar a desindustrialização?

A raiz do problema de competitividade da indústria brasileira está na carga tributária elevada, no custo elevado da energia, o segundo maior do mundo, nas relações trabalhistas, na infraestrutura. Essas coisas não serão corrigidas no curto prazo. Mas, enquanto isso, vamos deixar a indústria morrer? Não. Precisamos tomar medidas pontuais. É agir no câmbio, nos juros, na defesa comercial, no conteúdo nacional, na desoneração de setores mais prejudicados.