Título: 'Redução dos spreads não deve ser agenda política
Autor: Alves, Fábio
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/03/2012, Economia, p. B11

Representante dos bancos diz que a taxa Selic não é o único componente da formação dos juros bancários

A queda dos spreads bancários, um dos objetivos da presidente Dilma Rousseff para baratear o custo dos empréstimos e estimular a expansão da atividade econômica, não deve ocorrer como parte de uma agenda política do governo, mas sim como decorrência de decisões técnicas e institucionais dos bancos, alertou o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal.

A pressão para a queda nos spreads já se faz sentir sobre os bancos públicos. Com a redução da taxa Selic num ritmo mais acelerado do que o previsto, a expectativa é se os bancos privados vão responder a esse desejo da presidente Dilma.

"Estamos sempre prontos a trabalhar nessa agenda com o governo", disse Portugal, em entrevista exclusiva ao jornalista Fábio Alves, da Agência Estado, durante a reunião anual do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que está ocorrendo em Montevidéu.

A Febraban recebeu o prêmio "Beyond Banking" do BID pelo seu programa de capacitação profissional e inclusão de pessoas com deficiência no setor bancário, que já capacitou 900 pessoas com deficiência física, auditiva, visual e intelectual.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Com a redução em ritmo mais acelerado do que o esperado da taxa básica de juros, os spreads bancários tendem a cair?

A taxa Selic realmente recuou de forma significativa e isso, em princípio, tende a ter impacto no spread, mas é importante lembrar que o custo de funding, embora seja um componente importante para explicar a formação dos juros finais, não é o único componente da taxa final. Outros fatores também influenciam, como os impostos, o compulsório, a inadimplência. O custo de captação no sistema financeiro é como o custo da matéria-prima na indústria: se o custo da matéria-prima cai, o custo final tende a cair, desde que os outros não subam.

O presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, após reunião com o ministro Guido Mantega na quarta-feira, sinalizou que os spreads bancários precisam cair. Os bancos privados vão esperar os públicos baixarem esses spreads para então acompanhar o movimento?

A Febraban tem entre seus associados bancos públicos e privados, incluindo nacionais e estrangeiros. A Febraban, em princípio, não deve entrar em discussões que envolvam competição e formação de preços entre os associados. Zelamos pela manutenção da competição e da transparência em todos os mercados. Se algum banco tomar decisão de reduzir determinada taxa, imagino que os competidores vão avaliar esse movimento, levar em consideração suas estratégias, seus cenários e decidir se acompanham esse movimento ou não. É verdade que os spreads no Brasil são altos e precisam cair, mas para que isso realmente ocorra de forma sustentada é importante trabalhar nos fatores que fazem com que o spread seja elevado no País. Por exemplo, no Brasil há uma taxa muito baixa de recuperação dos créditos que ficam inadimplentes. A taxa de inadimplência em si não é tão alta, comparada internacionalmente, mas a taxa de recuperação é baixa em razão de problemas no nosso sistema judiciário. Os tributos sobre a intermediação financeira no Brasil são mais elevados que em outros países. Os depósitos compulsórios no País também são bastante elevados. Essas são as principais razões pelas quais o spread é alto. Esses fatores representam três quartos do spread: a inadimplência, o custo da tributação, os custos administrativos e o custo do depósito compulsório. O lucro dos bancos é menos de um quarto do spread. Então nós, na Febraban, somos a favor de redução dos spreads, mas achamos que isso não deve ser uma agenda política; deve ser uma agenda técnica e institucional, baseada nesses fatores que são determinantes do spread. Estamos, obviamente, sempre prontos a trabalhar nessa agenda com o governo.

Com a taxa Selic caindo mais que o previsto, o crédito deve crescer mais em 2012? As últimas estimativas da Febraban quanto ao crescimento de crédito devem ser revistas?

A Selic caiu mais rápido do que o previsto neste último movimento (do Copom), mas a ata deixou claro que os juros vão cair até 9%, nível que muitos bancos já estavam prevendo. Acho cedo rever as projeções de expansão do crédito. A Selic mais baixa e a retirada de alguma dessas medidas macroprudenciais ajudam. O cenário externo melhorou um pouco com a redução do risco de ruptura financeira na Europa. A expectativa é que a economia brasileira em 2012 vai crescer mais que em 2011. Todos esses fatores apontam para um cenário favorável para o mercado de crédito, mas continuamos com a projeção de crescimento de 16% de expansão no crédito para pessoas físicas e de 15% para pessoas jurídicas. Isso no mercado de crédito livre, que não opera a taxas subsidiadas. No mercado de crédito direcionado, nos últimos anos, o crescimento tem sido maior.

E quais são as suas expectativas em relação à inadimplência? Com a queda mais acelerada dos juros, a inadimplência pode voltar a cair já neste ano?

A previsão nossa é que a inadimplência vai estabilizar e registrará baixa ainda este ano. Nesses dois primeiros meses, já vimos sinais dessa estabilização. No ano passado, houve aumento da inadimplência, principalmente das pessoas físicas, cuja taxa de inadimplência passou de 6,5% para 7,3%, mas não houve aumento significativo da inadimplência das pessoas jurídicas, que representam a maior parte do crédito ao setor privado: dos cerca de 49% do PIB de crédito ao setor privado, cerca de 22% vão para empréstimos a pessoas físicas e cerca de 27% vão para pessoas jurídicas.

E em que momento, a inadimplência pode começar a cair?

Talvez a partir do segundo semestre. Acredito que vamos continuar em 2013 também com um cenário mais favorável para a inadimplência.