Título: Visita a Obama realça pragmatismo de Dilma
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/04/2012, Internacional, p. A17

Dilma Rousseff não precisa de tradução para entender o que lhe é dito em inglês. E conhece a língua o suficiente para corrigir seu intérprete quando ele deixa de transmitir exatamente o que ela diz. Aconteceu um par de vezes no encontro de mais de 70 minutos com seu colega Barack Obama na segunda-feira, na Casa Branca.

Assunto em questão eram os efeitos nocivos para o Brasil do real valorizado, e para outras economias, das políticas monetárias expansionistas dos EUA, Europa e Japão. O fato de o assunto não estar na jurisdição de poder de Obama, mas do Fed, o banco central americano, não inibiu a líder brasileira em insistir na reclamação. Obama deu o troco mostrando sua perplexidade com a inapetência de Dilma a fazer reparos à política de desvalorização cambial da China, que afeta a competitividade internacional das manufaturas dos EUA e do Brasil.

Segundo testemunhas do encontro, não se deve concluir, no entanto, que a conversa foi difícil ou contraproducente. De acordo com essa versão, o relacionamento que Dilma e Obama desenvolveram desde seu primeiro encontro, em março de 2011, em Brasília, permite-lhes ser cândidos. Daí o exagero em interpretar a linguagem corporal de algum desconforto entre os dois líderes, diante dos jornalistas, como prova de que a visita foi de pouca serventia. Para os americanos, ela confirmou o pragmatismo econômico que orienta as decisões de Dilma.

Este apareceu com nitidez no discurso que o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, fez horas mais tarde numa conferência na Câmara de Comércio. "O Brasil precisa da cooperação dos EUA para dar o grande salto tecnológico que vai colocar a nossa indústria no século 21, e os EUA precisam do acesso ao mercado brasileiro para alavancar sua economia", resumiu ele. Significativamente, Pimentel, o ministro pessoalmente mais próximo da presidente, chamou atenção para as diferenças de interesse do Brasil com a China e os EUA.

A relação com a China é de "comércio, strictu sensu", disse ele. "Com os EUA, a característica é diferente. As economias são parecidas e têm tudo para se integrar, mas elas não se complementam naturalmente e por isso é preciso esforço." É nesse esforço que entram as políticas voltadas para reduzir os déficits de educação, tecnologia e inovação que condicionam o sucesso da estratégia de Dilma para garantir o crescimento continuado do PIB de 4% ao ano.

Muito citada na imprensa, a pretensão brasileira a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança mal constou da conversa. Ficou claro, também, que a oposição do Brasil à estratégia de pressão contra o Irã, puxada, na visão de Dilma, "pela radicalização de Israel", deve-se menos ao ceticismo da líder brasileira quanto à sua eficácia, aliás amplamente compartilhado, do que à preocupação com seu efeito altista nos preços internacionais do petróleo, que complica as coisas para o Brasil e outros países emergentes.

Em resposta, Obama ponderou que o programa nuclear iraniano é visto como uma ameaça existencial por Israel e as sanções, defendidas por Washington, são a única alternativa disponível a uma ação militar, que faria o preço do petróleo explodir e causaria dano ainda maior à economia mundial.

A sinceridade da conversa ficou clara também na prévia que Dilma ofereceu a seu colega americano sobre a Cúpula das Américas, na Colômbia, onde eles voltam a se encontrar neste fim de semana. Disse-lhe para esperar ouvir mais reclamações sobre os efeitos nocivos dos desequilíbrios da economia internacional para a região e antecipou a Obama os dois temas difíceis do encontro. Sobre as drogas e o tráfico de cocaína, da qual a Colômbia é a maior produtora e os EUA e o Brasil os dois principais consumidores, disse que seu governo se opõe à legalização, mas defende a busca de estratégias novas, que tratem de forma diferenciada traficantes e usuários. Sobre Cuba, afirmou que esta é última Cúpula sem o país. Em resposta, Obama disse esperar que governos democráticos como o Brasil se empenhem pela evolução política da ilha, cujos líderes, segundo ele, nem sequer fingem que acreditam em democracia, como fazem na Venezuela e na Nicarágua