Título: Guerra e paz no ciberespaço
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/04/2012, Internacional, p. A22

Há dois anos, um código de computador defeituoso corrompeu o programa nuclear do Irã e destruiu várias das centrífugas usadas para enriquecimento de urânio. Do outro lado, recentemente o secretário de Defesa dos EUA, Leon Panetta, alertou para o perigo de um "Pearl Harbor cibernético". Mas, afinal, o que sabemos realmente sobre o conflito cibernético?

O terreno virtual dos computadores e as atividades eletrônicas relacionadas constitui um complexo ambiente fabricado pelo homem - e os adversários humanos são resolutos e inteligentes. Montanhas e oceanos são difíceis de mover, mas partes do ciberespaço podem ser ligadas e desligadas por meio de um interruptor. É muito mais barato e mais rápido transportar elétrons através do globo do que grandes navios.

Os obstáculos ao acesso ao campo cibernético são tão irrisórios que grupos não estatais e pequenos Estados podem assumir um papel central e a um custo muito baixo. A diluição do poder dos governos é uma das maiores mudanças políticas deste século. O espaço cibernético é um exemplo perfeito disso. Grandes países como EUA, Rússia, Grã-Bretanha e China têm mais capacidade do que outros Estados e grupos não estatais para controlar o mar, ar ou o espaço. Mas não há muito sentido falar sobre o domínio do espaço virtual. A dependência de sistemas cibernéticos complexos para atividades econômicas e militares produz novas vulnerabilidades em grandes Estados que podem ser exploradas.

Há quatro décadas, o Departamento da Defesa dos EUA criou a Internet. Hoje, sob muitos aspectos, Washington continua na liderança em termos do seu uso militar e social. Mas essa maior a dependência de computadores em rede deixa os EUA mais vulneráveis a ataques do que muitos outros países. O espaço virtual transforma-se numa importante fonte de insegurança, pois, nesse estágio do desenvolvimento tecnológico, o ataque prevalece sobre a defesa.

O termo "ataque cibernético" abrange uma ampla variedade de ações, que vão de simples tentativas para apagar dados até danos a websites, negação de serviço, espionagem e destruição. Alguns especialistas utilizam uma definição limitada da guerra cibernética: uma "guerra sem sangue" entre Estados que consiste unicamente num conflito eletrônico no espaço virtual. Mas esse conceito não abrange interconexões importantes entre as camadas virtuais e físicas. Como mostrou o vírus Stuxnet que corrompeu o programa nuclear do Irã, os ataques de software podem ter consequências físicas muito reais.

Uma definição mais prática da guerra cibernética seria uma ação hostil no ciberespaço cujos efeitos ampliam ou são equivalentes a uma enorme violência física. No mundo concreto, governos têm um quase monopólio do uso da força em larga escala, o lado sob ataque conhece bem o terreno e as ofensivas terminam com a deserção ou exaustão. Os recursos e a mobilidade são dispendiosos.

No mundo virtual, pelo contrário, os envolvidos são diversos (e às vezes anônimos), a distância física é imaterial e algumas formas de ataque são baratas. As respostas a uma guerra virtual abrangem uma forma de dissuasão interestatal por meio de desmentidos e falsas informações, projetos de recuperação da infraestrutura e das redes caso a dissuasão fracasse. Num determinado ponto, pode ser possível reforçar essas medidas com normas e controle de armamento. Mas o mundo ainda está num primeiro estágio desse processo. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK