Título: EUA e Europa não têm culpa pelo real forte
Autor: Marin, Denise Chrispin
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2012, Economia, p. B9

Com uma leitura distinta daquela repetida pelo Brics (Brasil, Índia, China, Rússia e África do Sul), a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, afirmou ontem não ser possível atribuir à política monetária dos Estados Unidos e da Europa a responsabilidade pela geração dos enormes fluxos de capitais hoje direcionados aos emergentes.

No dia 9, na Casa Branca, a presidente Dilma Rousseff reclamou ao líder americano, Barack Obama, do "tsunami cambial" provocado por medidas adotadas pelo Federal Reserve para estimular a economia do país.

"Não há evidência de essas políticas monetárias serem a causa direta dos fluxos de capitais para os países emergentes, como o Brasil. Podem ter tido um pequeno papel, mas não foram a maior motivação", disse Lagarde, em entrevista ao Estado e ao jornal italiano Il Sole 24 Ore. "As razões desses fluxos são a taxa elevada de retorno ao investimento, as perspectivas econômicas desses países e o aumento dos preços das commodities." A seguir, os principais trechos da entrevista.

A zona do euro gera preocupação pela ausência de crescimento. Qual é a sua avaliação?

A zona do euro acumulou nível alto de endividamento e manteve crescimento ligeiramente menor do que as outras economias avançadas. Há 18 meses, os mercados e os investidores queriam o ajuste das contas públicas, para restaurar um perfil mais saudável da dívida. Agora, questionam como obter o crescimento em um ambiente de ajuste. A união monetária respondeu com um impressionante arsenal de medidas. Além dos compromissos fiscais e do fortalecimento de governança na zona do euro, houve programas nacionais, medidas inovadoras do Banco Central Europeu e 800 bilhões em apoio potencial prometido pelos países da zona do euro. Ainda assim, os mercados continuam ansiosos, preocupados e hesitantes por causa da incerteza. Apesar de ter lidado inicialmente com a crise de forma fragmentada e sem resposta global, a Europa deu respostas sólidas nos últimos 18 meses.

Soou estranho a sua declaração sobre a construção de uma "muralha" do FMI de menos de US$ 500 bilhões. A sinalização de um volume menor se deve à dificuldade de o FMI reunir uma cifra mais robusta?

Fiquei muito satisfeita ao ver o Brasil entre os primeiros países a anunciar sua participação na "muralha" do FMI. Avaliamos regularmente os riscos atuais e os potenciais de financiamento, dos dois anos seguintes. A última foi feita no fim de dezembro e anunciada em janeiro. O tempo passou, estamos em abril, e a necessidade potencial de financiamento diminuiu porque alguns países europeus conseguiram assegurar mais da metade do que precisavam para 2012. Por isso, eu digo hoje que a nossa necessidade é ligeiramente menor do que a estimada em janeiro.

O acordo sobre a "muralha" do FMI sai nesta semana?

Como diretora-gerente do FMI, espero que tenhamos a massa crítica para esse acordo nesta semana. Mas estou disposta a dar mais tempo para a sua conclusão.

O Brics se uniu para atacar a política monetária expansionista dos EUA e da Europa e acusá-la de gerar uma nova modalidade de protecionismo. A sra. concorda com essa premissa?

Primeiro, o protecionismo deve ser evitado de todas as maneiras. As medidas monetárias adotadas pelos EUA e pela Europa foram necessárias para evitar a crise de liquidez, cujas consequências seriam muito mais negativas. Não há evidência de essas políticas monetárias serem a causa direta dos fluxos de capitais para os países emergentes, como o Brasil. Podem ter tido um pequeno papel, mas não foram a maior motivação. As razões desses fluxos são a taxa elevada de retorno ao investimento, as perspectivas econômicas desses países e o aumento dos preços das commodities. As medidas tomadas pelos governos para restringir e qualificar o volume de capitais são legítimas.

A China adotou uma banda mais ampla de variação da taxa de câmbio. É suficiente para o momento atual?

O aumento da banda de flutuação do renminbi (moeda chinesa) é bem-vinda e chega em momento apropriado. Foi um bom passo no processo gradual de internacionalização da moeda e de abertura da conta de capital.