Título: Terapia celular falha em tratamento para cardíacos com mal de Chagas
Autor: Escobar, Herton
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/05/2012, Vida, p. A14

Pacientes cardíacos com doença de Chagas que receberam injeções de células mononucleares – incluindo células-tronco – da própria medula óssea não tiveram melhora clínica detectável, segundo os primeiros resultados de um estudo nacional projetado para avaliar a eficácia de terapias celulares no tratamento de doenças do coração. Os pacientes até que melhoraram. O problema é que os que receberam só uma injeção de solução salina (placebo) melhoraram tanto quanto aqueles que receberam as células. “Conclusão: injeção intracoronária de células mononucleares autólogas ( do próprio paciente ) extraídas da medula óssea não melhora a função do ventrículo esquerdo ou a qualidade de vida de pacientes com cardiomiopatia chagásica crônica”, decreta o estudo, publicado na edição mais recente da revista científica Circulation. O trabalho é assinado por 12 médicos e cientistas brasileiros, ligados a 9 hospitais de São Paulo, Paraná, Goiás, Bahia e Pernambuco.

Trata-se de um dos quatro braços de estudo que compõem um grande projeto clínico sobre terapias celulares a plicadas ao coração, lançado em 2005, com financiamento do Ministério da Saúde e coordenado por Antônio Carlos Campos de Carvalho, do Instituto Nacional de Cardiologia e da Universidade Federal do Rio de Janeiro. As outras três linhas de pesquisa, ainda em andamento, são para cardiomiopatia dilatada, isquemia crônica e infarto agudo do miocárdio.

No caso dos chagásicos, o estudo envolveu 183 pacientes em estágio avançado da doença, com fração de ejeção menor que 35% (uma medida da capacidade do coração de bombear sangue). De todos eles, foram coletadas células mononucleares da medula óssea. Metade dos pacientes teve as células reinjetadas em suas artérias coronárias. A outra metade recebeu só uma injeção de solução salina. Os pacientes foram selecionados aleatoriamente para cada grupo. Nem eles nem os médicos sabiam quem tinha recebido o que – células ou placebo – até o final do estudo. Todos receberam o mesmo tratamento padrão e foram acompanhados por pelo menos um ano. Na média, 12 meses após a injeção, a fração de ejeção do grupo que recebeu as células aumentou de 26,1% para 29,6%. Enquanto que, no grupo placebo, aumentou até um pouco mais, de 26,1% para 31,3%. “Não houve diferença de eficácia entre os grupos”, resumiu Carvalho, em entrevista ao Estado.

Segundo ele, o resultado não significa que a terapia celular esteja morta como opção para o tratamento de chagásicos. Signifi-ca, apenas, que ela não funcionou dessa maneira específica como o estudo foi feito. Os cientistas planejam novos experimentos com outros tipos de células e protocolos diferentes – por exemplo, com pacientes mais precoces e injeção de células diretamente no músculo cardíaco. “Continuo muito entusiasmado com a perspectiva de que a terapia celular terá um papel importante na medicina do futuro”, afirma Carvalho. A médica Valéria Carvalho, do Hospital Sírio-Libanês, também não ficou decepcionada. “Não podemos descartar um eventual efeito terapêutico dessas células, utilizando outros protocolos”, diz. “Há muitas questões em aberto que só poderão ser respondidas com mais pesquisas.” “A lição mais importante desse estudo é que o chagásico é muito mal tratado no Brasil”, diz o pesquisador Ricardo Ribeiro dos Santos, do Hospital San Rafael, na Bahia, referindo-se ao fato de que os pacientes participantes melhoraram simplesmente por receber um atendimento médico de melhor qualidade. Os chagásicos são tipicamente pessoas de baixa renda, dependentes do sistema público de saúde.