Título: Só um milagre salva Sarkozy
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/05/2012, Internacional, p. A14

Bruno Cautrès, membro do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) e do Centro de Pesquisa Política do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po), é uma das maiores autoridades da França em pesquisas de opinião e em análise de comportamento político. Pesquisador reconhecido em Paris, comprovou teorias sobre a divisão social e a política do eleitorado sobre temas como a integração da União Europeia - um dos assuntos de maior destaque na campanha de 2012. Com base em seus métodos estatísticos e quantitativos, ele foi taxativo ao conversar com o Estado na sexta-feira, último dia da campanha presidencial francesa: "Tudo leva a crer que François Hollande vencerá".

Qual é o seu prognóstico para o segundo turno na França?

A situação de Nicolas Sarkozy é muito difícil. Sua maior adversidade é, ao mesmo tempo, precisar de muitos eleitores da candidata de extrema direita Marine Le Pen, de 60% no mínimo, e de 50% dos eleitores do centrista François Bayrou. É muito difícil conciliar eleitores com visões tão distintas e obter o apoio dos dois. Sarkozy seria capaz de conquistar um e outro, mas com estratégias focadas em um ou outro. Tudo isso leva a crer na vitória de François Hollande, que há vários meses está na frente em todas as pesquisas eleitorais. Só um milagre salva Sarkozy, talvez relacionado aos eleitores de Bayrou, que possam estar decepcionados com a falta de precisão de Hollande no que diz respeito ao controle das contas públicas. Não será uma vitória esmagadora do Partido Socialista. Eu apostaria em 52% a 48% ou 51,5% a 48,5%. E Sarkozy, em nenhuma hipótese, poderia vencer com mais de 50,1%.

Havia grande expectativa de Sarkozy em torno do debate, que poderia reverter o jogo em seu favor. No entanto, Hollande surpreendeu. O debate foi decisivo?

Não diria que tenha sido decisivo. Uma parte importante do eleitorado fez sua escolha na noite do primeiro turno. A campanha do segundo turno não mostrou muita evolução da dinâmica de voto, embora três ou quatro pesquisas de opinião tenham indicado que Hollande perdeu um pouco de espaço nos últimos 15 dias. O debate não mudou nada.

A campanha de Sarkozy no segundo turno, marcada por uma guinada à extrema direita, provocou mal-estar até no seu partido. Qual é sua avaliação?

Sarkozy não tinha outra escolha. Marine Le Pen tinha obtido 18% dos votos no primeiro turno e ele era o candidato da direita que passou para o segundo turno. O presidente não poderia ignorar a Frente Nacional e se concentrar somente nos 9% de eleitores de François Bayrou. Não seria suficiente para que ele vencesse.

A eventual derrota de Sarkozy e as críticas sobre sua aproximação com a extrema direita causarão uma a crise na UMP?

Sim, virão muitos momentos difíceis. Haverá uma discussão profunda a respeito dos rumos do partido, cuja liderança deve acabar dividida entre o atual primeiro-ministro, François Fillon, e o secretário-geral, François Copé. Creio que a UMP vai continuar sendo um partido conservador típico europeu, com ideias clássicas, como a redução de impostos, a busca da competitividade, um partido liberal em suas condutas políticas e, ao mesmo tempo, muito conservador na sua abordagem sociocultural. Em 2014, haverá as eleições municipais e europeias. Será a oportunidade de esclarecer e de solidificar o novo projeto político da UMP.

Hollande chega como favorito, mas há 18 meses parecia abatido entre as lideranças do PS. Como se deu essa transformação?

Essa transformação realmente ocorreu. Hollande é alguém que, quando deixou a direção do PS, substituído por Martine Aubry, foi dado como esquecido. Aubry o criticou muito. Ele se preparou durante todo esse tempo, partindo de muito longe, fazendo um esforço de leituras, de troca de experiências com intelectuais. Seu ponto de partida era o fato de ser muito conhecido e de ser alguém que se expressa muito bem oralmente. Soube se servir das primárias do PS e fez uma campanha muito boa. É, sem dúvida, um percurso sem falhas.

No entanto, o PS se mostrou bem menos coeso em torno de seu candidato do que a UMP em torno de Sarkozy, não?

Sim, as fissuras são mascaradas no PS pela campanha eleitoral. As divisões seguem muito fortes. Foram iniciadas em 2002, na derrota de Lionel Jospin para Jean-Marie Le Pen. Elas cresceram com o referendo sobre a Constituição Europeia, quando o partido optou pelo sim e alguns líderes, como o ex-premiê Laurent Fabius, pelo não. Depois, vários eventos maiores do partido, como a disputa pela secretaria-geral entre Martine Aubry e Ségolène Royal, também acentuaram as dificuldades. Agora, a vitória de Hollande pode ser o cimento do partido.

Qual a sua expectativa com relação ao governo de Hollande?

O primeiro grande objeto de questionamento é o nome do primeiro-ministro. Aubry e o deputado Jean-Marc Ayrault são muito cogitados para o cargo. Aubry, porém, foi muito fortemente contrária a duas propostas de Hollande: a contratação de 60 mil professores e o Contrato Geração, de estímulo ao emprego de jovens. Ayrault conhece muito bem o Parlamento, é um líder e um nome forte. Pierre Moscovici, coordenador de campanha de Hollande, também é outra hipótese. Moscovici é um grande dirigente europeu. Ayrault conhece muito bem a vida parlamentar na França e Aubry seria uma segurança de que o PS se fecharia em torno do governo.

Em caso de vitória, qual o maior desafio de Hollande?

A Europa será sua missão mais difícil. A posição da França na Europa se enfraqueceu nos últimos anos. Veremos se o país saberá encontrar uma nova direção política e econômica sob Hollande. Tenho dúvidas se a França escapará das questões fortes que os mercados financeiros colocarão sobre nossa economia. Por outro lado, creio que poderemos contar com a transigência da chanceler da Alemanha, Angela Merkel, que buscará uma posição consensual, até porque ela entrará em campanha eleitoral em 2013 e não pode se expor.