Título: A poupança e as metas de Dilma
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/05/2012, Notas e Informacões, p. A3

Mudar as regras da caderneta de poupança, a mais antiga e mais democrática forma de aplicação financeira, foi uma rara demonstração de coragem política da presidente Dilma Rousseff. A mudança era necessária, sabia-se há muito tempo, mas o governo sempre dava um jeito de empurrar a decisão para um dia indeterminado. Com as alterações anunciadas na quinta-feira, fica aberto, finalmente, o espaço necessário para a redução da Selic, a taxa básica de juros, até níveis mais civilizados. O lance é duplamente estratégico, porque facilita a gestão da dívida pública e, ao mesmo tempo, reforça a política presidencial de redução do custo do crédito. Mas reforça, ao mesmo tempo, a imagem de um Banco Central (BC) cada vez mais submisso ao Palácio do Planalto e a um roteiro traçado na cúpula do Executivo. Nada mais razoável que a dúvida: o BC terá trocado a meta de inflação pela meta de juros? A Selic continuará caindo se as condições da inflação o permitirem, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega. A avaliação dessas condições, tudo indica, já foi feita.

Sem entrar nessa questão, a presidente da República e o ministro da Fazenda têm bons argumentos técnicos para defender a alteração nas regras da poupança. Primeiro ponto: a Selic remunera os títulos da dívida pública. Se ficasse abaixo do rendimento da poupança, investidores deixariam os fundos, migrariam para as cadernetas e o Tesouro teria dificuldade para refinanciar sua dívida. Segundo ponto: uma liberdade maior para manejar a taxa básica deve dar ao governo mais força para pressionar os bancos a baixar seus juros. Esta é, pelo menos, a expectativa indicada pelas autoridades, embora não devam ter ilusões: será necessário um jogo mais duro para levar os bancos privados a baratear o crédito mais significativamente do que foi feito até agora.

Este segundo ponto é especialmente importante para a presidente Dilma Rousseff. Em discurso na posse do novo ministro do Trabalho, horas antes do anúncio da alteração das cadernetas, ela voltou a indicar três grandes obstáculos ao crescimento econômico do País: o câmbio valorizado, os juros altos e os impostos.

O câmbio é hoje mais favorável do que há alguns meses. Isso é reconhecido em Brasília, embora o ministro da Fazenda continue denunciando uma guerra cambial promovida, segundo ele, pelas autoridades do mundo rico. Medidas tomadas pelo governo, disse ele, empurraram o dólar de R$ 1,75 para a R$ 1,92 e - mais importante - frearam a valorização do real. Boa parte da alta do dólar foi realmente causada por fatos diferentes daqueles mencionados pelo ministro, mas o detalhe relevante, neste momento, é a melhora das condições cambiais. E quanto aos outros obstáculos?

O governo tem-se empenhado principalmente na campanha pela redução dos juros. O Banco do Brasil e a Caixa Econômica foram mobilizados para cortar suas taxas e impor alguma concorrência aos bancos privados. Os banqueiros responderam com o barateamento de algumas linhas. A mudança foi principalmente cosmética, embora haja, de fato, muito espaço para redução da margem dos bancos.

O governo está certo quanto à necessidade de corte dos juros, mas seu discurso falha em relação a um ponto: se o custo do crédito for reduzido mais amplamente, neste momento, a indústria brasileira ainda terá dificuldade para aumentar a produção. Não basta, agora, estimular a demanda com mais crédito, porque o produtor nacional tem enorme dificuldade para competir com o estrangeiro. Sem mexer mais seriamente numa porção de outros custos, o governo dificilmente mudará as condições desse jogo. Investir sai muito caro para a indústria brasileira não só pelo custo do capital, mas também por causa dos impostos e isto é só uma pequena parte do problema.

Nenhuma iniciativa do governo federal para mexer nos impostos e em vários outros custos especificamente brasileiros tem efeito mais que epidérmico. A presidente Dilma Rousseff não manifestou, até hoje, a mínima disposição de atacar de modo mais consequente os problemas da produção. Falta levar a outras áreas a coragem demonstrada na alteração da poupança.