Título: Dólar atinge R$ 1,96 e efeito do câmbio sobre a inflação já incomoda o governo
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/05/2012, Economia, p. B1

Pela primeira vez desde julho de 2009, o dólar ultrapassou R$ 1,95, nível que já começa a incomodar o governo por causa do efeito sobre a inflação e a atividade econômica. Em meio às tensões no mercado global, a moeda americana subiu 1,3%, para R$ 1,962. A mudança no câmbio respondeu por parte da disparada do IPCA de abril, que chegou a 0,64%, ante 0,21% em março. A equipe econômica, que tem celebrado a desvalorização do real por causa dos benefícios que pode trazer à indústria, está apreensiva com o movimento. A avaliação é a de que a inflação deve subir um pouco mais do que o governo esperava, o que resultará em perda do poder de compra da população, na medida em que preços mais elevados ‘comem’ a renda do trabalhador.

É mais um golpe em uma economia que roda em ritmo i nferior ao que Dilma Rousseff gostaria – em torno de 3%, ante os desejados 4,5%. Se a alta se limitar à casa de R$ 1,95, a análise do governo é de que o efeito sobre o resto da economia será absorvido sem grandes traumas. Por isso, analistas e operadores de mercado já especulam sobre quando o Banco Central (BC) venderá dólares para tentar amenizar a escalada das últimas semanas. A moeda americana subiu quase 8% nos últimos 30 dias. O discurso oficial do BC é o de que as intervenções têm como objetivo evitar oscilações muito fortes do dólar. Mas, nos últimos dias, foram comuns variações ao redor de 1%, como aconteceu ontem. E o BC não interveio com vendas físicas ou operações que, na prática, teriam o mesmo efeito. O mercado também já faz as contas para estimar o efeito da desvalorização cambial sobre a inflação. Mas todos os economistas ponderam que há uma infinidade de variáveis que tornam difícil um cálculo preciso.

Com o dólar a R$ 1,90, o professor Affonso Celso Pastore, ex-presidente do BC, projeta um IPCA (índice oficial de inflação) de 5,2% neste ano. “Se o real depreciar mais, obviamente, piora”, afirma. Segundo ele, há dados mostrando que algum efeito já ocorre. Além do IPCA divulgado ontem, houve impacto no Índice de Preços por Atacado (IPA), que saiu terça-feira. Dentro do IPA, os preços industriais saltaram 1,32% em abril, ante 0,31% em março. Os preços das matérias- primas brutas avançaram 1,05%, ante 0,64%. Tecnicamente, o cálculo de repasse inflacionário é chamado de pass-through. O economista-chefe da Votorantim Corretora, Roberto Padovani, avalia que o pass-through é hoje inferior ao de alguns anos atrás. Em primeiro lugar, por razões estruturais.

“O dólar tem sido menos volátil nos últimos anos e os agentes econômicos percebem que os picos da cotação não são duradouros”, afirma. “Por isso, quando há um movimento como o atual, a tendência é que não corram para remarcar os preços.” O outro fator citado por Padovani é conjuntural: a crise global e o fraco desempenho da economia brasileira abrem menos espaço para o repasse de preços. Ele está prestes a elevar a projeção oficial para o dólar no fim do ano de R$ 1,70 para R$ 1,80. Mas, a princípio, a estimativa para inflação continuará em 5,5%. O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, avalia que, apesar do cenário econômico frágil, há algum espaço para repasse. “Mas nada muito dramático”, pondera. Por ora, ele mantém a estimativa do IPCA em 5,5%.