Título: A guerra das barbas
Autor: Samuelson, Rovert J.
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/05/2012, Economia, p. B12

Enquanto Bernanke luta para manter a inflação anual em 2%, Krugman defende um pouco mais de inflação para estimular o crescimento Está sendo chamada a "guerra das barbas" - Paul Krugman versus Ben Bernanke. Ambos são economistas ilustres (e barbudos): Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano); Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia e ilustre colunista do New York Times. Krugman acusa Bernanke de ser excessivamente tímido na luta contra o alto índice de desemprego e o lento crescimento econômico. Bernanke qualifica as propostas de Krugman de "temerárias".

O que se passa? Além da retórica, existe um debate sério sobre o Federal Reserve. Há uma década, o Fed era considerado onisciente e poderoso. Conseguia amortecer os ciclos de avanço e regressão da economia, aplacar crises financeiras e assegurar a prosperidade. Não mais. Quase todo mundo acha que a diminuição do desemprego (8,1% em abril) está muito lenta. No anos que terminam em 2013, o índice estará entre 7% e 8,1%, de acordo com as mais recentes estimativas das autoridades do Federal Reserve.

Mas o banco central não está passivo. Desde o fim de 2008, tem mantido as taxas de juros overnight pouco acima de zero. Durante a crise financeira de 2008-2009, seus empréstimos de emergência para bancos e fundos do mercado financeiro impediram um colapso maior.

O Fed também adquiriu mais de US$ 2,5 trilhões de letras do Tesouro e títulos lastreados por hipotecas para tentar reduzir os juros de longo prazo (estudos sugerem um declínio de 0,7 ponto porcentual ou mais) e impulsionar os preços das ações, já que os investidores buscam retornos mais altos. Mas essas heroicas tentativas não provocaram uma recuperação robusta.

O que necessitamos agora - e o que o Fed pode fornecer, diz Paul Krugman - é um pouco mais de inflação, que estimularia o crescimento e a criação de empregos. O Fed vem lutando para manter a inflação anual em torno de 2%, um índice baixo que, segundo ele avalia, tranquiliza a sociedade. Para Krugman, o Fed deve elevar sua meta para 3% a 4% durante cinco anos.

"Isso vai tornar a tomada de empréstimos mais atrativa. Deixar o dinheiro parado se tornará menos atrativo", ele afirma. A lógica é simples. Se os preços subirem 4% em vez de 2%, os consumidores e as empresas serão incentivados a comprar agora para evitar pagar um preço mais alto depois. Se os juros não aumentam (ou aumentam menos do que a inflação), então as taxas reais - ajustadas pela inflação - caem. De novo, isso torna a tomada de empréstimo mais atraente. Uma inflação mais alta também vai corroer o valor real da dívida.

Com uma carga de endividamento menor, as famílias e as empresas se sentirão mais livres para gastar. Outro canal seria um dólar mais barato nos mercados cambiais externos, o que tornaria as exportações americanas mais baratas e as importações mais caras. (Krugman dá menos importância a esse canal, pois acha que Europa e Japão também devem ter por meta uma inflação mais alta.)

Além de Krugman, outros economistas defendem uma inflação mais alta.

Mas não Ben Bernanke.

Sem nomear Krugman, ele respondeu a essas sugestões numa entrevista coletiva no dia 25 de abril. "Tem sentido buscar energicamente uma inflação mais alta para atingirmos um ritmo ligeiramente mais rápido de redução da taxa de desemprego? A opinião (das autoridades do alto escalão do Fed) é de que isso seria muito imprudente."

Bernanke afirmou que a crença de que o Fed mantém a inflação baixa (que os economistas chamam de "ancorar" as expectativas inflacionárias) tende a se cumprir. Se as empresas acham que a inflação permanecerá baixa, evitam estabelecer grandes aumentos de preços que podem debilitar sua competitividade. O que permite ao Fed ser mais agressivo no corte das taxas de juros para combater o desemprego. Se as expectativas inflacionárias mudarem, como pode ocorrer com base na proposta de Krugman, a flexibilidade pode deixar de existir.

Embora Bernanke não o afirme, existem outras razões pelas quais a política sugerida por Krugman pode ter efeito inverso. Senão, vejamos:

1. Os preços podem aumentar mais rápido do que os salários, reduzindo o poder de compra do trabalhador e (provavelmente) desencorajando os gastos.

2. Com uma inflação mais alta, os consumidores podem ficar ainda mais temerosos do futuro e, para se proteger contra o desconhecido, decidem poupar e reduzir os gastos - o contrário do que Krugman objetiva. Foi o que ocorreu nos anos 70, embora a taxas de inflação mais altas do que a proposta por Krugman.

3. Algo similar poderá ocorrer nos mercados financeiros. Os investidores, não sabendo se a inflação retornará aos 2% e temendo que possa subir mais do que 4%, podem exigir taxas de juros muito mais altas de modo a evitar uma corrosão do seu dinheiro. Isso também prejudicaria a estratégia proposta por Krugman.

Nada disso está fadado a ocorrer. A teoria de Krugman pode ser correta. Ela responde a um impulso compreensível no sentido de se fazer alguma coisa no tocante à débil recuperação e aos milhões de pessoas sem trabalho e esperança. Mas, neste debate, fico do lado de Bernanke.

Flertar com uma inflação maior é perigoso. Se as expectativas inflacionárias mudarem, é difícil prever as consequências. A inflação de dois dígitos no fim dos anos 70 (um pico de 13%) foi resultado de erros bem intencionados e desencadeou muitos efeitos colaterais desastrosos.

O que deveríamos ter aprendido desde 2008 é que o Federal Reserve não pode fazer tudo, e metas ambiciosas demais são garantia de decepções.

E a maior lição é de que os economistas exageraram seu entendimento e controle da economia. As pessoas com frequência não agem de acordo com as teorias econômicas. Não existe uma resposta política adequada a cada necessidade. E isso é o que nos deixa frustrados. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO