Título: O narcoestado da Venezuela
Autor: Toro, Francisco
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/05/2012, Internacional, p. A13

Mais um dia, mais uma denúncia de um ex-magistrado do Supremo Tribunal da Venezuela. No mês passado, o juiz Eladio Aponte Aponte fugiu do país e colocou na TV uma lavagem de roupa suja chavista. Antes, seu outrora colega Luis Velásquez Alvaray saíra-se melhor ainda, oferecendo provas detalhadas sobre um sistema judiciário que parece cada vez mais uma conspiração criminosa.

Parafraseando Oscar Wilde, perder um magistrado de um Supremo Tribunal pode ser falta de sorte. Perder dois é descuido.

Juntas, as entrevistas - exibidas uma em seguida à outra no canal SOiTV, de propriedade de um exilado venezuelano, cuja base fica em Miami - oferecem uma imagem de um sistema de Justiça penal mancomunado com os guerrilheiros das Farc e no qual a interferência política, as decisões distorcidas, o conluio com traficantes de drogas e os eventuais assassinatos por encomenda são rotineiros. A rota da cocaína que sai da Colômbia, passa pela Venezuela e segue para EUA e Europa Ocidental é altamente lucrativa. Os tentáculos dos milhões de dólares produzidos por esse comércio se infiltraram em todo o sistema.

Partindo de pessoas da confiança do presidente Hugo Chávez que estavam em posição de saber dos fatos, essas entrevistas extinguem toda aparência de legitimidade que o sistema judiciário chavista poderia desfrutar. Mas enquanto as afirmações de Aponte Aponte careçam de detalhes e não são apoiadas por documentos, o juiz Alvaray teve muito tempo para organizar as provas e apoiar suas alegações: ele está exilado desde 2006, tendo fugido da Venezuela ao ser avisado de um complô para assassiná-lo. Logo depois da sua partida, seu escrevente foi encontrado morto em circunstâncias estranhas.

As revelações retratam a Venezuela como um narcoestado - um país onde o dinheiro do tráfico de drogas não comprou somente um ou outro juiz, este ou aquele promotor, mas assumiu o controle do Estado como um todo. O tráfico em larga escala invariavelmente deixa um rastro de sangue no seu caminho. Uma série de assassinatos sob encomenda de oficiais do Exército profundamente envolvidos nos negócios levanta a possibilidade de uma futura guerra das drogas como a que se observa hoje no México.

Infelizmente a analogia não é muito precisa. No México, a guerra da droga opõe as Forças Armadas contra os cartéis. Na Venezuela, a se acreditar nos dois magistrados, os cartéis operam dentro das Forças Armadas. E como podemos chamar quando uma parte das forças de um país entra em guerra contra a outra? Isso mesmo: guerra civil. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA