Título: A nova regra da poupança e seus efeitos
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/05/2012, Economia, p. B2

A decisão do governo brasileiro de enfrentar o tabu e alterar a regra de remuneração da caderneta de poupança abre espaço para mais mudanças. Isso não só no que se refere às taxas de juros básicas e suas variáveis mais diretas, mas também a outros temas polêmicos.

A pergunta que muitos estarão fazendo é: Por que não se fez a mudança antes? Não se fez por quê? A resposta engloba duas hipóteses, não excludentes. A primeira decorre da situação do cenário internacional, em especial dos EUA, Europa e Japão, que contempla uma baixa taxa de juros, próxima de zero, em termos nominais, o que significa uma taxa real de juros negativa. Esse quadro abre uma janela de oportunidade para a redução dos juros nos demais países. Além disso, não fazê-lo implicaria importar efeitos perversos, como a valorização cambial e o risco de recessão.

A segunda hipótese advém da feliz combinação doméstica entre bons fundamentos macroeconômicos, excelente grau de aprovação do governo e perfil da presidente da República. A inflação dá claros sinais de arrefecimento e deve fechar o ano bem próxima da meta, a depender do que vai acontecer com a taxa de câmbio, os preços de combustíveis e outras variáveis que a equipe econômica poderá conduzir para a combinação desejada. Ademais, o quadro fiscal sólido, baixa dos juros e crescimento econômico nos levarão a uma redução das relações déficit nominal e dívida pública líquida/PIB.

O nível de aprovação recorde do governo brasileiro e pessoal da presidente dá a ela o cacife político para continuar ousando, sem correr grandes riscos. Até porque ela conta com bons condutores, afinados entre si, tanto na Fazenda quanto no Banco Central. Aqueles que tentaram desqualificar a estratégia da adoção de medidas macroprudenciais, desde o final de 2010, e a queda da taxa de juros básica, desde agosto de 2011, erraram feio, e a conduta da (nova) política macroeconômica vem sendo bem assimilada pelo mercado.

O perfil da presidente é outra variável que não deve ser subestimada. Seu apetite por assuntos áridos e complexos, envolvendo questões de regulação e outras de que muitos políticos passariam longe, dá o respaldo para sua equipe apresentar e implementar inovações. Sua formação em Economia lhe permite compreender o diagnóstico dos problemas, analisar alternativas possíveis e tomar decisões, considerando a relação custo-benefício de cada escolha. Trata-se de um diferencial competitivo considerável e quase inédito no Brasil.

Isso também ajuda a explicar significativas mudanças importantes em outras áreas, como na questão cambial e temas relativos à competitividade. Alguém já lembrou, com muita propriedade, que o primeiro pré-requisito para a solução de um problema é reconhecer que ele existe. Na medida em que se admitiu que o problema cambial é uma ameaça ao desenvolvimento, medidas vêm sendo tomadas, o que, direta e indiretamente, tem realizado o ajuste gradual, mas consistente, da taxa de câmbio para níveis mais realistas. O mesmo vale para as questões de política industrial e seus instrumentos de crédito, financiamento, desoneração tributária e desburocratização. Nesse campo, ainda há um longo caminho a ser percorrido, mas o reconhecimento dos problemas e a firme decisão de enfrentá-los representam importante mudança.

É preciso uma visão mais clara de que enfrentamos a concorrência de outros países e que, muitas vezes, melhorar nossa competitividade em relação ao passado não é garantia de sucesso. É mais ou menos como numa corrida de Fórmula 1: não basta bater o próprio recorde de tempo ao completar cada volta, mas fazê-lo mais rápido que os demais competidores. Aqui se trata de uma questão vital. Ao contrário de décadas passadas, quando a vulnerabilidade externa ou a dependência energética representavam restrições evidentes ao desenvolvimento brasileiro, hoje, a solução de grande parte dos nossos dilemas só depende de nós mesmos.