Título: Dólar atinge R$ 2 e mercado já vê novo piso
Autor: Canas, Cristina; Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/05/2012, Economia, p. B6

Moeda americana sobe 7% no ano e tem maior valor desde julho de 2009; Mantega diz que efeito sobre a inflação preocupa "um pouquinho"

Depois de algum "ensaio" nos últimos dias, o dólar finalmente fechou cotado a R$ 2. Em meio às tensões internacionais sobre o futuro do euro e dos países europeus em crise, a moeda americana subiu 0,65% e encerrou a terça-feira valendo exatamente R$ 2. No acumulado de 2012, a valorização já chega a 7%. Nos últimos 12 meses, alcança 22,2%.

Analistas e investidores começam a considerar esse como um novo ponto de equilíbrio para a moeda, dado o agravamento da crise internacional e diante da aparente tranquilidade apregoada pelo governo.

Aos poucos, diminuem as expectativas de intervenções do Banco Central (BC) ou do governo para manter o dólar abaixo dessa marca, que não era registrada desde 10 de julho de 2009.

"A equipe econômica vai intervir, sim, mas quando o dólar ameaçar a inflação e o projeto maior do governo, que é o juro baixo. Até lá, nada será feito", disse um operador do mercado doméstico de câmbio.

Para outro profissional, o BC pode atuar se perceber ações especulativas do mercado. "Pode entrar para desmontar eventuais excessos na especulação, como fez no fim do ano passado, quando haviam rumores de que estava faltando dólar para exportação. Mas não acredito que intervenha simplesmente porque o dólar está acima de R$ 2."

A ideia de que o governo e o empresariado estão satisfeitos e tranquilos com o nível atual da taxa de câmbio foi reforçada, mais uma vez, pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Em entrevista à Agência Estado, Mantega afirmou que o contágio do câmbio na inflação doméstica (chamado tecnicamente de pass through) preocupa "um pouquinho", mas ressaltou que é pequeno. Ele argumentou que há também uma queda nos preços das commodities que influencia os índices de preços no sentido contrário.

Mantega acrescentou que a desvalorização do real é uma vantagem e negou que haja um teto de R$ 2 para dólar. O ministro disse ainda que não acredita que o BC vá intervir no câmbio e garantiu que ele e "a torcida do Flamengo" estão satisfeitos com o nível da moeda americana.

Insegurança. O economista Sidnei Nehme, diretor executivo da NGO Corretora de câmbio, ponderou, em relatório, que Mantega, "como esperado, não se demonstrou preocupado com o fato de o preço do dólar ter atingido R$ 2".

"Mas certamente tem algum desconforto pelo fato de que a ocorrência se antecipou às expectativas, e, naturalmente, ele não pode sugerir que o governo agirá contra a alta, por razões óbvias", afirmou.

Nehme argumenta que o dólar chegou aos R$ 2 mais cedo do que o governo gostaria. "A inflação ainda não repercute a contração decorrente dos efeitos da crise internacional", escreveu.

Ou seja, o efeito do dólar mais caro sobre os índices de preços virá antes do que o benefício das commodities internacionais mais baratas.

Para o especialista, as ações do governo para tentar conter a valorização do real inibiram "fluxos úteis e de qualidade" que poderiam ter vindo para o Brasil. "Não para especular, mas para dar suporte a empresas envolvidas na nossa atividade econômica", afirmou. "E mais: criaram um fator de expressiva relevância com suas intervenções, a insegurança aos investidores."