Título: Indústria pagará 22% a mais pelo gás
Autor: Pereira, Renée
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2012, Economia, p. B6

A conta de gás natural ficará mais cara para a indústria paulista. Na contramão das medidas adotadas pelo governo federal para restaurar a competitividade do País, empresários do Estado de São Paulo foram surpreendidos nos últimos dias com a notícia de que as tarifas da distribuidora Comgás serão reajustadas em até 22% a partir de 1º de junho.

Será o terceiro aumento desde maio do ano passado. Nas últimas duas elevações, o preço subiu 19%. Ou seja, em um ano, a tarifa subirá 45%.

A notícia provocou um levante no setor industrial, que considera inadmissível um reajuste dessa magnitude num momento em que se discute retomada de competitividade.

Na última quinta-feira, representantes dos grandes consumidores industriais de energia e dos setores químico, cerâmico e de vidros se reuniram com o secretário de Energia do Estado de São Paulo, José Aníbal, para expor o problema e pedir intervenção no caso.

O secretário se comprometeu a conversar com a Arsesp (agência reguladora do Estado) e com a Petrobrás. Mas, internamente, muitos acreditam que seja difícil reverter o aumento.

O principal motivo é que, de acordo com o contrato de concessão, as empresas podem repassar para a tarifa toda variação do preço do gás boliviano, que segue a cotação do dólar (alta de 20,64% em um ano) e uma cesta de óleos - a recomposição seria da ordem de R$ 230 milhões. Hoje, 64% do gás distribuído pela Comgás vêm do país vizinho.

Procurada, a Arsesp afirma que os porcentuais ainda não foram fechados. A Comgás, recém comprada pela Cosan, diz que apenas falará sobre o assunto após o anúncio do reajuste. Mas seu departamento comercial já entrou em contato com alguns clientes.

Insumo. O presidente da Associação Paulista das Cerâmicas de Revestimento (Aspacer), Heitor Ribeiro de Almeida Neto, afirma que foi avisado pela concessionária de que as tarifas terão aumento entre 20% e 22%.

"Conversamos com Comgás e Arsesp, mas eles nos disseram que não podem fazer nada, pois é uma regra do contrato." Apesar da negativa, Neto e outros empresários ainda acreditam que possam reverter a situação. "É abusivo. Teremos 45% de aumento em um ano. Isso acaba com qualquer competitividade que ainda temos."

Ele explica que o gás natural é o principal insumo da indústria cerâmica e representa 21% do preço final do produto. "O problema é que, como o mercado está mais fraco, as empresas não conseguem repassar o reajuste para os consumidores."

Hoje o Brasil é o segundo maior produtor de cerâmica do mundo. Cerca de 70% da produção nacional está na região de Santa Gertrudes, no interior de São Paulo. Todos os fabricantes instalados no local deverão ser afetados pela alta do gás.

No setor químico, a situação é ainda mais preocupante. Em muitas empresas, o insumo entra como principal matéria-prima na fabricação de resinas sintéticas, amônia, negro de fumo (usado na produção de pneu) e detergentes.

Nesses casos, o gás chega a representar 80% do custo do produto. "Será uma injeção na veia de aumento de custo para a indústria", afirma a diretora de Economia e Estatística da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), Fátima Giovanna Ferreira.

Segundo ela, o resultado deve ser o aumento do volume de importação, especialmente dos Estados Unidos.

Lá, além do preço do gás ser bem menor que o brasileiro, há um excedente de produto químico por causa da baixa atividade da economia americana. A executiva conta que a competitividade da indústria nacional já está comprometida e pode piorar ainda mais com esses aumentos. "O Brasil está importando e reduzindo a produção interna. Daqui a pouco haverá transferência de investimentos para localidades com custos menores, a exemplo do México."

Alternativas. Para reverter essa situação, os industriais sugerem uma repactuação dos contratos de concessão de distribuição de gás natural. Como esse processo pode ser mais demorado, outras medidas de curto prazo foram levantadas para o secretário de energia de São Paulo.

Uma delas seria escalonar os reajustes em dois anos, afirma o superintendente da Associação Técnica Brasileira das Indústrias Automáticas de Vidro (Abividro), Lucien Belmonte. "Em vez de repassar tudo de uma única vez, isso poderia ser feito em duas parcelas. Outra alternativa seria reduzir a necessidade de investimentos nos próximos anos."

Além do porcentual elevado de reajuste, os representantes da indústria criticam a falta de clareza nos reajustes tarifários.

O coordenador de Energia Térmica da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Ricardo Pinto, destaca que há cláusulas de confidencialidade entre Petrobrás e Comgás que não permitem conhecer premissas básicas do contrato. "Sem isso o mercado não consegue fazer previsões."

A reclamação esteve na pauta discutida com o secretário José Aníbal, na semana passada. "A secretaria é o poder concedente. Ela pode resolver esses problemas", afirma Ricardo Pinto.

Na avaliação do coordenador da Abrace, como Estado mais industrializado e com uma rede de distribuição capaz de receber gás de várias origens, São Paulo não pode ter a tarifa mais cara do País.

Com o aumento informado aos clientes, a Comgás passará a ter o gás mais caro do Brasil, segundo cálculos da Abrace. Até então, as distribuidoras do Paraná e do Rio Grande do Sul lideravam o ranking nacional.

Margem. Para os representantes da indústria, hoje a margem de distribuição da concessionária paulista chega a ser igual ou superior a tarifa final de diversos países, como Arábia Saudita, Canadá, México e Estados Unidos.

"O governo precisa colocar na agenda a questão do gás natural. Não é possível aceitar tarifas tão elevadas", avalia Ricardo Pinto.

Na média nacional, o Brasil tem a quarta maior tarifa industrial do mundo. Perde só para Alemanha, República Checa e Estônia. Também detém o maior preço entre os países do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China). Enquanto no Brasil o gás custa US$ 16,8 (por milhão de BTU), na Índia custa US$ 5,2; na China, US$ 13,5; e na Rússia, US$ 3.