Título: Discurso foi duro, mas trafegou no limite constitucional
Autor: Monteiro, Tânia; Moraes Moura, Rafael
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/05/2012, Nacional, p. A4

Em seu discurso de instalação oficial da Comissão da Verdade, a presidente Dilma Rousseff mostrou fidelidade às delicadas e demoradas costuras políticas que precederam a Lei 12.258, aprovada no ano passado pelo Congresso Nacional e sancionada por ela em novembro. Citou os pactos que levaram à redemocratização do País, numa clara referência à Lei da Anistia de 1979. Para Dilma, a lei, que foi ratificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pode até ser revista e alterada, mas isso não compete a ela como chefe de Estado.

Em relação aos militares da reserva que têm procurado torpedear a comissão, afirmando que se trata de uma atitude vingativa, ela foi enfática, dizendo que não é movida pelo revanchismo nem pelo ódio. Após essas reverências, porém, mostrou-se tranquila ao insistir na necessidade de se esclarecerem os fatos do regime militar. A verdade, doa a quem doer, é seu objetivo: "Nos move a necessidade imperiosa de conhecê-la em sua plenitude, sem ocultamentos".

Dilma também ressaltou o papel humanitário da comissão e sinalizou por onde ela deverá começar a trabalhar, ao se referir às famílias de opositores do regime que estão desaparecidos. Disse que essas famílias "continuam sofrendo como se eles morressem de novo e sempre a cada dia".

Os chefes militares aplaudiram de maneira protocolar, sinalizando que, apesar da gritaria da reserva, os oficiais da ativa estão mais preocupados com o futuro, com melhores condições para desempenhar o papel que a Constituição lhes reserva, de proteger o território nacional.

É difícil imaginar um discurso nesse tom firme na boca de Luiz Inácio Lula da Silva, que iniciou o debate sobre a Comissão da Verdade, mas não chegou a concluí-lo. Pode-se atribuir a diferença à conjuntura ou ao fato de Lula não ter participado da resistência clandestina ao regime militar, de não ter integrado uma organização armada de esquerda, nem ter enfrentado a tortura. Mas também é possível pensar que Dilma conhece e sabe explorar melhor do que o antecessor os limites do possível. A recente polêmica com os bancos seria outro exemplo dessa diferença.