Título: Nunca diga nunca
Autor: Friedman, Uri
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/05/2012, Economia, p. B11

Quando os problemas econômicos da Grécia vieram à tona em 2009, não demorou para que os observadores contemplassem a possibilidade de uma saída grega da zona do euro. O colunista Paul Krugman, do New York Times, previu este cenário em 2010, em 2011 e, mais recentemente, no último domingo, ao alertar que a retirada da Grécia da união monetária poderia ocorrer já em junho (estaria Krugman tentando criar sua própria versão dos "períodos Friedman"?).

Mas os ministros das Finanças dos países europeus, que têm o hábito de escolher as palavras com o máximo cuidado, preferiram em geral lavar as mãos diante do assunto - considerando a ideia impensável de acordo com os tratados europeus. Quando o primeiro-ministro holandês e o ministro das Finanças do mesmo país disseram em setembro que os países que violassem persistentemente as regras orçamentárias da zona do euro deveriam ser expulsos da união, o Irish Times se mostrou impressionado, dizendo que os dois líderes teriam "atravessado o Rubicão".

Na segunda feira, depois de uma reunião dos ministros das Finanças da zona do euro, o líder do Eurogrupo, Jean-Claude Juncker, seguiu o roteiro, declarando que "existe o desejo inquebrantável de manter a Grécia na zona do euro" e que o grupo não tinha nem mesmo debatido a possibilidade da saída da Grécia.

Mas nem todos os líderes europeus ecoam essa mensagem. Na verdade, vários funcionários de governos europeus atravessaram o Rubicão nos últimos dias, enquanto a dificuldade grega de formar um governo de coalizão aumentava a possibilidade de novas eleições, que poderiam fortalecer os partidos políticos que se opõem às medidas de austeridade vinculadas ao resgate de US$ 170 bilhões oferecido ao país. Falou-se tanto numa saída da Grécia esta semana que os veículos jornalísticos estão agora se referindo à proximidade de uma "Grexit" (brincadeira com "saída" - exit - e "Grécia"), termo que já se tornou popular no Twitter.

Mas será que esses funcionários estão mudando o discurso porque a probabilidade de uma saída grega aumentou e eles pretendem preparar os mercados para as más notícias? Ou será que essa mudança seria mais uma forma de pressão política - uma maneira de deixar absolutamente claro para os líderes gregos que eles devem pensar duas vezes antes de colocar em risco sua participação na união? O recado parece ser o seguinte: "Grécia, é você quem vai decidir seu futuro na zona do euro. Se for negligente com os compromissos estabelecidos no acordo de resgate, é você quem vai sofrer, e não nós".

Luc Coene, membro do conselho do Banco Central Europeu e governador do Banco Nacional da Bélgica.

Antes: Em entrevista concedida ao La Libre Belgique em janeiro, Coene declarou que a Europa "se mostraria totalmente unida na defesa do sistema" caso a Grécia deixasse a zona do euro. Mas ele explicou que tal cenário lhe parecia "completamente inconcebível".

Agora: Durante o fim de semana, Coene disse ao Financial Times que "um divórcio amigável - caso um dia se torne necessário - seria possível", embora ainda considerasse isso lamentável. Ele disse que a decisão da Grécia de permanecer na zona do euro tinha motivações políticas, e que as "muralhas" financeiras da Europa seriam suficientes, independentemente do resultado. "O ideal seria que todos os países-membros continuassem no clube - isso seria melhor para todos, até para os gregos", destacou ele. "Mas é claro que, se um membro decidir que não tem mais interesses em comum com o restante do grupo, temos de permitir a saída deste - trata-se de algo inerente à democracia."

Wolfgang Schaeuble, ministro alemão de Finanças.

Antes: Schaeuble, cujo governo tem sido o principal proponente das medidas de austeridade na Europa, sugeriu em fevereiro que a Grécia poderia se retirar da união monetária, dizendo que os representantes europeus "não pretendem jogar dinheiro num buraco sem fundo", no caso da Grécia, e que a Europa estava hoje mais bem preparada para uma moratória grega do que há dois anos. Mas, conforme a Grécia lutava para mostrar que era capaz de atender às condições necessárias para um segundo resgate, Schaeuble também apontou que "o que estamos vivenciando no momento é muito menos dramático do que aquilo que pode ocorrer com a Grécia se as tentativas de manter o país na zona do euro fracassarem".

Agora: Nos últimos dias, Schäuble tem se mostrado mais otimista em relação à capacidade da Europa de resistir a uma saída da Grécia, adotando uma postura mais laissez-faire diante de Atenas. "Queremos que a Grécia fique na zona do euro", informou o ministro das Finanças ao Rheinische Post. "Mas o país também precisa desejá-lo e aceitar os compromissos exigidos. Não podemos obrigar ninguém a fazê-lo. A Europa não vai afundar tão rapidamente." Vários "mecanismos de proteção", acrescentou ele, reduziram "o risco de contágio nos outros países da zona do euro".

Olli Rehn, comissário da UE para Assuntos Econômicos e Monetários.

Antes: Em maio do ano passado, Rehn disse ao Der Spiegel que não considerava a saída da Grécia da zona do euro uma "opção séria". Tal curso "prejudicaria a economia grega e representaria um retrocesso para a integração europeia", explicou ele. "O euro é mais do que uma moeda; é o principal projeto político da nossa comunidade. Esse é mais um motivo pelo qual não aceitaríamos uma saída da Grécia." Em setembro, ele reiterou que os governantes europeus não permitiriam que a Grécia deixasse o euro porque isso "provocaria um imenso estrago econômico e social, não apenas à Grécia mas à União Europeia como um todo, trazendo consequências para toda a economia mundial".

Agora: No sábado, Rehn mudou de opinião e propôs que Atenas, e não Bruxelas, decida se pretende ou não permanecer na união monetária, e que a Europa ficaria bem independentemente da decisão. "A bola está agora com os gregos, é a sua vez de jogar", disse ele, num discurso semelhante ao de Schäuble. "Para a Grécia e os cidadãos gregos, principalmente os mais pobres, o resultado de uma saída do euro seria muito pior do que para a Europa", acrescentou ele. A Europa é hoje "sem dúvida mais resistente" a uma saída da Grécia do que há dois anos, explicou.

Jens Weidmann, membro do conselho do Banco Central Europeu e presidente do Deutsche Bundesbank.

Antes: Em novembro, quando o Financial Times perguntou a Weidmann se a Grécia deveria ser obrigada a deixar a zona do euro se fracassasse em cumprir as obrigações estipuladas no acordo de resgate, o diretor do Banco Central alemão respondeu de maneira sucinta: "Este não é um debate do qual eu gostaria de participar".

Agora: No decorrer do fim de semana, foi justamente nesse debate que Weidmann se envolveu. Se a Grécia não honrar os acordos firmados com os credores internacionais, argumentou ele numa entrevista ao Sueddeutsche Zeitung, "essa será uma decisão democrática", mas uma decisão que obrigaria os países doadores a interromper a ajuda financeira à Grécia.

Além de "não ter precedentes históricos e estar associada a grande dose de incerteza", uma saída seria também "mais grave" para a Grécia do que para os demais países da zona do euro, acrescentou ele.

Pia Ahrenkilde Hansen, porta-voz da Comissão Europeia.

Antes: Em novembro, enquanto os primeiros-ministros da Grécia e da Itália renunciavam aos cargos em meio ao caos econômico, Pia declarou: "Não podemos permitir que a zona do euro se fragmente, nem a UE, porque isso contrariaria o interesse geral do povo europeu como um todo". Meses mais tarde, ela disse aos repórteres que a saída da Grécia da zona do euro "não é um cenário que eu gostaria de contemplar".

Agora: Na superfície, Pia expressou uma posição semelhante na segunda-feira, destacando que, embora a Grécia deva respeitar seus compromissos com os credores, "desejamos que a Grécia permaneça na zona do euro e esperamos que ela permaneça na zona do euro". Mas não respondeu com uma negativa ao ser indagada se os governantes europeus estavam preparando planos de contingência para o caso de a Grécia optar pela rejeição dos termos do resgate, deixando a zona do euro. "São realmente muitas as questões sendo levantadas e há muito que continua em aberto em relação à Grécia; a maioria das respostas deve ser dada pelos gregos e cabe a nós respeitar o processo político que se desenvolve no país", disse ela. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL