Título: Medidas geram pressa e desconforto no governo
Autor: Abreu, Beatriz
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/05/2012, Economia, p. B5

Banco Central, por exemplo, tinha no seu cronograma reduzir compulsório só em agosto, mas tentativa de reanimar economia antecipou decisão

A pressão para o anúncio de medidas para destravar a economia e a necessidade de administrar as expectativas do mercado financeiro e industrial têm gerado um certo desconforto entre o Banco Central e o Ministério da Fazenda.

Na segunda-feira, Guido Mantega e Alexandre Tombini se reuniram com banqueiros e com o setor automobilístico, em São Paulo, e amarraram a decisão de o BC liberar recursos para financiar a compra de carros. Tombini teve de correr para cumprir um compromisso na capital paulista, retornar a Brasília e convocar uma reunião de diretoria para redigir e aprovar o texto da nova medida, o que só ocorreu no meio da noite.

Como se tratava da liberação do dinheiro referente a depósitos a prazo que os bancos recolheram ao BC (na forma de compulsório), era necessária uma reunião de diretoria para aprovar a medida. Foi por isso que Mantega, apesar da insistência dos jornalistas, não detalhou a liberação dos recursos. Nem poderia. Até aquele momento, a medida não existia legalmente. O atropelo não ficou só aí. Foi necessário um debate técnico exaustivo para dar esse formato - liberar de imediato o dinheiro para financiar a compra de automóveis.

No cronograma do Banco Central, esse compulsório só seria totalmente liberado em agosto. Uma mudança de planos na qual o BC teve de se encaixar, respondendo a uma ação anticíclica para estimular a atividade econômica. Com o agravamento da crise na Europa e a indefinição, até o momento, sobre como resolver a questão da Grécia, com a ameaça de se retirar da zona do euro, Mantega e Tombini estão também atuando com a missão de coordenar as expectativas. Uma tarefa que não é simples, diante da inanição do empresariado nacional e da expectativa de que o BC terá um confronto com o mercado para estabilizar o dólar e ancorar as apostas sobre o comportamento da Selic.

Dilma. Embora o desconforto exista, porque não é possível ficar de braços cruzados diante do agravamento do cenário internacional, quem comanda todos os passos é a presidente Dilma Rousseff. "Se tem uma área que ela controla é a economia", disse uma fonte à Agência Estado. Todas as medidas divulgadas passam pelo crivo de Dilma, que, às vezes, não pede uma medida. Manda fazer. E a área econômica que encontre a forma mais criativa de eliminar o risco de o Brasil ser arrastado pela recessão que contamina toda a Europa.

No caso da indústria automobilística, o benefício se justificava diante da enorme cadeia de produção do setor. O governo trabalha com a estratégia - montada em 2008 e 2009 - de agir pontualmente para resolver problemas específicos, na esperança de que, agindo assim, não deixa "a peteca cair". Essa crise de agora era esperada, mas a intensidade da crise de Estados e do sistema financeiro europeu é crescente.

Embate. A função de Mantega é criar um clima de otimismo, "dosado por uma visão real dos problemas", para neutralizar o pessimismo dos empresários nacionais diante das turbulências e incertezas do mercado internacional. Não é hora de desistir dos investimentos, apesar de estarmos convivendo com mais incertezas do que com certezas.

Pelo lado do BC, a tarefa não é mais simples. Ao contrário, Tombini é colocado como refém por qualquer declaração que faça. Ele aparentemente está posto em xeque pelo mercado. A disputa da vez é com relação à decisão do Copom, na próxima semana, enquanto o mercado joga com a alta dos juros e do câmbio. As intervenções do Banco Central nesta semana indicam que, neste momento, não é desejada uma cotação de R$ 2,10.

Ontem, o jogo com o mercado não deu certo porque tanto juros futuros quanto câmbio se mantiveram em alta. Porém, hoje o BC foi bem-sucedido e o dólar recuou para R$ 2,04.

A área econômica espera que os agentes financeiros deem tempo para que as medidas surtam efeito, que os empresários não se deixem contaminar pelo pessimismo e os consumidores mantenham um ritmo elevado de compras. O mercado interno é a saída para a crise. Isso é fato para o governo. Até mesmo os programas sociais da presidente Dilma têm viés econômico. "O governo não está fazendo esses programas sociais só por humanismo", disse um assessor.