Título: O governo precisa perceber as mudanças no consumo
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/05/2012, Economia, p. B2

Não se pode dizer que houve redução do consumo em razão das restrições de crédito. Em abril, não somente o crédito para as famílias aumentou, como tudo indica que o consumo se manteve em nível elevado. O que mudou foi o tipo de consumo, mudança incontestavelmente ligada ao aumento do endividamento, que leva as famílias a consumirem mais produtos ligados à renda (essencialmente alimentos) e menos aos bens que aumentem suas dívidas.

Examinando os dados do sistema financeiro em abril, divulgados pelo Banco Central, verifica-se que o Brasil se aproxima da média dos países desenvolvidos, com os empréstimos representando 49,6% do Produto Interno Bruto (PIB). Na evolução das operações do sistema de crédito livre, verifica-se que o estoque de crédito cresceu 2,7% para as empresas e 1,2% para as famílias. É verdade que as concessões de crédito no mês caíram 4,9% para as empresas, mas só 1,8% para as pessoas físicas. Aliás, a ofensiva do governo deu resultados e os juros para as famílias caíram de 44,4% para 42,1% em abril, acompanhados por um recuo ainda mais significativo do spread.

Mas a verdade é que os empréstimos vinculados ao comércio de automóveis recuaram 0,2% e o arrendamento mercantil, 5%. Não se entende, portanto, a insistência do governo em forçar a venda de carros de passeio, sabendo que há uma saturação do mercado, já que a nova classe C não troca de carro todos os anos.

Os gastos nos supermercados estão aumentando, indício de que os generosos aumentos salariais registrados neste ano foram usados numa melhor alimentação, e, de outro lado, para assumir os compromissos decorrentes da compra de casa própria, uma vez que os créditos habitacionais aumentaram, para as famílias, 2,3% em abril.

O governo precisa se convencer de que o estímulo ao crescimento econômico pela via do consumo se esgotou, por causa do endividamento crescente, e de que o objetivo essencial, hoje, é contribuir para reduzir o custo de produtos manufaturados, não apenas por meio de uma nova reformulação do sistema tributário, como pela ajuda à indústria no aumento da capacidade de inovação.

Em lugar de mais estímulo ao consumo, caberia assumir a expansão e a modernização da infraestrutura do País, dando atenção particular ao planejamento dos investimentos no que se refere à sua realização dentro dos prazos previstos, uma vez que os atrasos na execução dos projetos são responsáveis por custos finais muito acima dos previstos.